Viajar, travel, voyager... com uma casa de rodas por essas estradas fora... AC, Campingcar, motorhome: por Portugal, Europa, Mundo. Relatos e imagens de como viajar com a casa às costas.E também palavras sobre coisas que gosto...
“O viajante está em Évora. Esta é a praça famosa do Geraldo, aquele cavaleiro salteador ou salteador cavaleiro que, para lhe perdoar Afonso Henriques os desmandos e crimes, se determinou conquistar Évora. Por manha o conseguiu e inocência dos mouros, que tinham a velar numa torre um homem apenas e sua filha, cujos não velavam nada, antes a sono solto dormiam quando o Sem Pavor nem piedade lhes cortou a cabeça. Coitada da menina. No alvoroço do engano, supondo-se atacados noutro lado da cidade, deixaram os mouros abertas as portas da fortaleza, por onde entraram os mais soldados cristãos, com ajuda de mouriscos e moçárabes, que a seu bel-prazer mataram e aprisionaram. Foi isto em 1165. Que Évora fosse a que Geraldo conquistou, não é o viajante capaz de imaginar. Quantos mouros havia para defender a cidade, não sabe. (...) Isto são histórias que toda a gente conhece desde as primeiras letras, mas ao viajante não fica bem inventar outras. (...)
Em Évora há, sim, uma atmosfera que não se encontra em outro qualquer lugar; Évora tem, sim, uma presença constante de História nas suas ruas e praças, em cada pedra ou sombra; Évora logrou, sim, defender o lugar do passado sem retirar espaço ao presente. (...)
Metade de Évora ficou por ver, a outra metade sabe-se lá. Mas o que ao viajante causa impressão, perdoe-se-lhe aideia fixa, é que tudo quanto viu (tirando as muralhas e o tempo romano) ainda não existia no tempo do Sem Pavor nem sequer dos revoltosos de 1383. O viajante acha que tem muita sorte: alguém lhe conquistou um bom sítio para construir esta Évora, alguém a levantou, alguém a defendeu, alguém lutou por que as coisas fossem assim e não de outra maneira, tudo para que pudesse aqui regalar-se de artes e ofícios. Agradece em pensamento ao Sem Pavor, apesar de não lhe perdoar a rapariga degolada....”
José Saramago, in Viagem a Portugal, 2ª edição, 1985
A crónica do viajante desta vez não é minha (nem poderia), é de Saramago . Agradeço-lhe aqui as palavras, estas e outras ensinaram-me a Ler e a Ser.
Mesmo noutro continente, no africano, portas e janelas falam. Outra língua, outra religião, é certo, mas talvez por isso o mistério ainda seja mais misterioso.
Vale a pena olhá-las e tentar imaginar as suas estórias.
De príncipes em cavalos alados e princesas encarceradas (Fez)
De vilões fortes, cujas aldrabas necessitam da palavra mágica (Fez)
De moiras encantadas em feitiços de gelo (Chefchouan)
De sonhos enquanto se trabalha a tesoura, o chá, as vendas...(Chefchouan)
De esposas tímidas ansiando por uma visita (Tetouan)
Do Emir rodeado de esposas e filhos à espera do chá do Oriente e suas especiarias (Tetouan)
Do judeu esperançado em melhores dias (Tetouan)
Do árabe gordo e simpático que ri com o sol (Tetouan)
Do emigrante armado em marroquino à espera da época balnear (Asilah)
Do Árabe chamado Joseph (Asilah)
Da menina das casas de bonecas (Asilah)
Do francês amante do mar e do deserto marroquino (Asilah)
Da família ancestral fechada a sete-chaves (Asilah)