terça-feira, 5 de novembro de 2019

Lisboa dos azulejos e dos graffitis: uma alegre coincidência em fim de semana de encontro Hymer. Inauguração da ASA em Fábrica do Braço de Prata, Lisboa.




Há surpresas agradáveis, ou alegres coincidências, ou ignorâncias que levam às surpresas agradáveis.
Passo a explicar: não saber o que é, em termos culturais, na vida da capital portuguesa, a Fábrica do Braço de Prata, é provavelmente digno de uma certa dose de ignorância. Mea culpa! Felizmente, a coincidência de ser lá o espaço para a primeira (e, até ao momento, única) área para autocaravanas na capital, tornou-me menos ignorante.





As redes sociais às vezes proporcionam oportunidades de fazer amigos virtuais que um dia se tornam carne e osso e nos dizem “queres vir ao encontro Hymer, pois anda lá que serás bem recebida com ou sem Hymer, a porta está aberta, é só pôr mais caldo na sopa”. Não foi bem assim a conversa, mas para o efeito resultou, uma coisa levou à outra, lá fomos nós e lá conhecemos a dita Fábrica que antes foi palco de guerra e agora é  palco para as artes e… lá vem agora  a coincidência, a fábrica, agora também ASA, tem ao leme um antigo professor meu, ainda por cima daqueles que não se esquecem, pela forma apaixonada e cativante como lecionava.



O professor

O resto da história foi conhecer o espaço e entrar no baile cujo mote que guiava o passeio era “À descoberta do azulejo em Portugal”.
As AC lá ficaram bem guardadas por um alto muro, não um qualquer, mas um daqueles que falam através de mensagens; 



ao fundo um jardim/bar improvisado com palettes e animação (bem, lá para as noites de sexta e sábado a animação pode atingir alguns decibéis que não se coadunem com quem quer fechar as cortinas dos olhos…), mas há sempre a possibilidade de entrar no velho casarão e curtir outros concertos, o cardápio é sempre variado e estava incluído no preço. 


O velho casarão era a antiga administração da fábrica portuguesa que produzia material de guerra, nos tempos áureos do colonialismo. Depois de votada ao abandono, foi stand de vendas de apartamentos de luxo, foi quase colégio, foi livraria, foi quase cinzas, para desde 2007 ser aquilo que é hoje, no meio de muitas aventuras e idas a tribunal. 


Dizem eles, na sua página na web, “ não se sabe muito bem o que a fábrica é”, é um não sei quê, digo eu, de murais, de livrarias novas e usadas, de bares e restaurantes, de salas batizadas com nomes de filósofos (o dedo inspirador do professor); de espetáculos a decorrer em simultâneo, um jazz aqui, um fado ali, uma bossa nova acolá; teatro, performances, a lendária Guida Scarlatti num cantinho do último piso e ainda uma escola de jazz e tempos livres e gente jovem com ar feliz.




Está na hora de sair pelo largo portão e dar um salto ali à vizinha Marvila, a visitar Santo Agostinho e a sua igreja paroquial, só porque era este encontro, doutra forma seria mais difícil. 
Lá se abriram as portas da igreja que fazia arte do antigo convento de Nª Srª da Conceição, sede da Ordem das Brígidas. Uma pérola do barroco com o peso da talha dourada e dos painéis de azulejos que por lá sobrevivem. E tudo num livro aberto (em quadros como se fora BD) sobre a vida de S. Agostinho, e da Santa sueca, a Brígida que tanto lutou pela formação da sua ordem, conseguindo atravessar fronteiras e ter sede em Lisboa. 







Deste lado de cá confessavam-se as freiras da Ordem das Brígidas, o retângulo era uma parede fechada.







tela amovível 

Fascinante o episódio , retratado num dos quadros que já viu melhores dias, que  mostra o santo no seu encontro com uma criança que queria meter a água do mar dentro dum buraco que ia escavando. O santo lá lhe explicou que o mar ali não caberia, mas o inocente soube-lhe retorquir que também ele, Santo, procurava Deus e este era infinito.

Dali continuámos para o Museu do Azulejo, como não podia deixar de ser. Um convento imenso, com um espólio variadíssimo desde o séc. XV à contemporaneidade, a ocupar três pisos, e ainda a maravilhosa igreja da Madre de Deus, mais uma pérola do barroco português.


Igreja da Madre de Deus













A visita aos motivos azuis e brancos não ficaria por aqui. Quantos dias durou, perguntam? Pois apenas um, foi um sábado rico com o  mesmo mote, mas sempre em conjuntos históricos diferentes. 
O último foi o Mosteiro de S. Vicente de Fora, o padroeiro de Lisboa. O seu fundador foi o primeiro rei de Portugal, em honra do padroeiro, pelo sucesso da conquista de Lisboa aos mouros.


Depois de muitos anos de abandono, Filipe I de Portugal, 2º de Espanha, não querendo ficar atrás do pai da nação, tornou-o o símbolo do seu poderio.


Entre claustros austeros, salas, corredores e escadarias, a azulejaria voltou a ser a protagonista do nosso passeio. Até La Fontaine lá está presente, contando fábulas em azulejos.












 Sto. António professou em S. Vicente de Fora

Só o ar pesado do Panteão dos Reis da Dinastia de Bragança corta o colorido azul e branco para, depois de subir ao terraço, se ter a cereja no topo do bolo, uma paisagem deslumbrante, na qual o Tejo é agora a personagem principal. E também Lisboa e os seus telhados, o Castelo espreitando ao longe, o Cristo Rei olhando da margem sul, os hotéis flutuantes mesmo ali ao lado, a rivalizarem em altura.


Panteão: a dor






Vistas do terraço










O mote azulejos fechava-se ao final da tarde, para ser substituído pelo mote dos graffitis, outra vez na Fábrica, saboreando o convívio salutar e um suculento bacalhau com brindes ao alto a algumas aniversariantes autocaravanistas.




Domingo foi dia de mais champagne para inaugurar a ASA e foi dia de aula de história com o professor de filosofia. A história da fábrica, palco de guerras passadas e atuais e a razão de estarmos ali, de termos estacionado e dormido e passeado. Mediante 15 € (dia) far-se-á a festa de agora em diante, as más línguas, li, dizem que é caro, mas a cultura sem subsídios é assim mesmo, se a uns enche a alma, a outros terá de encher o corpo.



Os meus agradecimentos a Nuno Nabais e a todos os que com ele lutam com palavras, gestos, sinais, cores; à Isabel Mesquita pelo empurrãozinho; ao Clube Hymer pelo encontro e sua temática; à Zeza por se lembrar destes viajantes de casas às costas.



quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Dublin, para repetir




Três dias seria o timing ideal para estar em Dublin? Ficámos três noites, na verdade, dois dias e meio que afinal se revelaram insuficientes.

Dublin é uma cidade atraente, fresca, relaxante. O seu centro e principais pontos de interesse percorrem-se facilmente a pé, na realidade não usámos uma única vez qualquer tipo de transporte, à exceção da manhã em que entregámos o Seat alugado e aproveitámos para uma pincelada visual pela zona moderna, à beira rio.



À beira do rio Liffey


E, no final, o Airlink express bus para chegarmos ao aeroporto (aliás, revelou-se uma boa solução. Os bilhetes podem comprar-se em inúmeros pontos da cidade, perto da Ha’ penny Bridge, por exemplo, ou na O´Connell Street. Em 20 minutos e por 7 € chega-se confortavelmente ao destino).


Ha’ penny Bridge ou Ponte de Metal. A sua alcunha deve-se à portagem que tinha de se pagar de 1816 a 1919 (halfpenny).

Ficámos hospedados num pequeno apartamento na zona norte, a poucos passos de uma das mais movimentadas ruas da cidade, a O’ Connell, e onde se ergue o Spire, uma agulha metálica de 120 metros de altura, que ali se encontra a substituir a estátua de Nelson, destruída em 1966 por uma bomba do IRA.




A nossa casa, a branca, num 2º andar.


O Spire

 A cidade é atravessada pelo rio Liffey que divide a zona norte do sudoeste e sudoeste de Dublin e não parece nada afetada pela tão apregoada crise dos mesmos anos negros de Portugal. Ergue-se, cosmopolita, jovem e repleta de turistas de múltiplas nacionalidades, sobretudo grupos de jovens, alguns em cursos de verão.



Jovens estudantes em Temple Bar

Em qualquer das zonas há sempre pontos de interesse a visitar, ou associados à arquitetura, ou à história, ou às artes (sobretudo literatura e música), ao lado social (este sempre acompanhado da famosa Guiness, a célebre cerveja escura com travo a café), ou simplesmente aquela vertente excecional que só ocorre em algumas cidades, que é deixarmo-nos ir pelas ruas e avenidas e sermos sempre surpreendidos...

A História e os grandes nomes da literatura

Começando pela História. Trinity College é visita obrigatória em Dublin e, claro, a sua antiga biblioteca, sede do famoso Book of Kells. Este é um dos maiores tesouros da Europa medieval, um manuscrito iluminado escrito em latim que contém os quatro evangelhos do Novo Testamento. Foi criado pelos primeiros monges cristãos por volta de 800 DC. Para além do texto e da caligrafia, o Book of Kells é um tesouro artístico no que diz respeito aos elementos decorativos, muitos deles ainda hoje verdadeiros enigmas.




Trinity College, fundado em 1592. O seu relvado e pátios dão as mãos a colégios como Oxford, e situa-se no coração de Dublin.



A visita (15 €) abrange a exposição “Transformando a escuridão em luz” e a câmara principal da biblioteca antiga, com mais de 65 metros de comprimento, mais de 200.000 livros, que continuam a ser objeto de consulta, e acima de tudo a sensação indescritível que é estar entre inúmeros livros e corretores infinitos de madeira e papel, sabedoria e odor seculares.








Long Room

Os “dubliners” fazem ainda questão de mostrar ao mundo o seu valor literário, destacando os seus escritores, como Oscar Wilde,  Samuel Beckett, que estudaram naquela casa. Aliás, estes mesmos e ainda James Joyce têm direito ao seu próprio museu (Dublin Writers Museum e James Joyce Cultural Center) e volta e meia surgem em locais estratégicos, como é o caso dos mais refrescantes e salutares jardins espalhados pela cidade de Dublin, ou até no interior de pubs, cantos e recantos.



Oscar Wilde relaxando sarcasticamente no Merrion Square




Personagens de Ulisses, de James Joyce , no centro de Dublin


Os espaços verdes apetecíveis

Não esquecer que estes espaços verdes são sempre muito procurados por locais e turistas nos alegres dias de sol (e nos nossos “três” dias na cidade, o sol foi-nos sempre sorridente), quer para passeios, quer como zona de piquenique à hora do almoço.




Jardim de Merrion Square


Por falar em refeições, Dublin, assim como a restante ilha, serve umas boas sandes frescas, preparadas no momento com ingredientes à escolha, em certos supermercados. É sempre uma boa alternativa ao famigerado hambúrguer dos pubs ou outras casas de pasto, mais ainda quando se pode comer ao ar livre e percorrer um simpático jardim, como o de St. Stephen ou o Merrion Square.
Ambos os jardins se situam na zona sudeste, sobranceiros aos bairros e longas avenidas de casas georgianas, uma delícia para a vista. Muitas têm portas pintadas de cores alegres e às vezes elementos originais, assim como varandas de ferro forjado e batentes ornamentados.






Uma pausa para uma Guiness em Temple Bar

É claro que a visita a Dublin obriga necessariamente a um intervalo num pub, caindo a escolha necessariamente na zona de Temple Bar. Para quem apreciar a confusão, a noite é a hora eleita, mas se preferir mais sossego, aconselho a hora do lanche. Escolhemos precisamente Temple Bar, um dos pubs mais icónicos e antigos, na zona com o mesmo nome. Homenageia um dos seus antigos frequentadores, um escritor para variar, o pai de “Dubliners”, e recebe-nos com umas suculentas ostras de sabor intenso a mar e um cardápio variado de cerveja, Guiness no topo da lista.






James Joyce, in Temple Bar


Peça uma “pint” e acompanhe com “oysters”😊


E pronto, já que a mencionei, tenho de referir a “fábrica” ou loja ou atração do top de Dublin. Refiro-me obviamente à “Guiness Storehouse”, uma experiência que todos os visitantes querem ter quando vão a Dublin, mas a qual não me seduziu ao rubro. Trata-se sobretudo de uma excelente aposta numa visita do tipo interativo, no interior de um magnífico edifício de vários pisos, com direito à degustação de uma cerveja mais paisagem “aérea” e em 360 º da cidade; falta-lhe o contacto direto e real com tudo o que é uma antiga e atual fábrica de cerveja, ou seja, os 25€ não justificam a experiência.







Vista do Bar



As “nossas”, na fase de repouso; a Harpa, símbolo da Irlanda

Não optando pela experiência da cerveja, existe a alternativa do whisky, em Jameson Distillery Bow. Também inclui degustação do precioso líquido que mete irlandeses a lutar com escoceses (qual é o berço de origem?). Pormenores da experiência desconheço, terão de ser os leitores apreciadores a contar…


Destilaria Jameson

Não optando por Temple Bar, qualquer zona é boa para entrar num pub, como o Murrays, na O´Connell  Street. A ementa, já se sabe, não é muito variada (nesta altura da viagem outros pubs nos tinham passado “pelas mãos”): a doce sopa de marisco, o habitual hambúrguer, o “steaw” e os famosos “fish & chips”. O melhor mesmo é a alegria do ambiente, no qual a música tradicional é sempre rainha. E, claro, sempre e inevitavelmente, a simpatia dos irlandeses. Com um ar sempre relaxado e afável, chegam a parar na rua quando consultamos aéreos (e certamente com ar de idiotas perdidos) o mapa, para nos perguntarem se precisamos de ajuda.


Andar ao sabor do movimento e daquilo que a visão nos dita

Muitas vezes não estamos perdidos, apetece-nos é deambular ao sabor de uma qualquer onda... a dos outros, a das multidões, a da ausência de multidões…
E foi assim que encontrámos, por exemplo, o jardim Dubh Linn, com o seu relvado celta (nas traseiras do castelo de Dublin); ou a National Gallery, onde, perante a quantidade de salas e a falta de tempo, apontámos para o contemporâneo. “Vamos lá ali cumprimentar um Picasso e um Degas e , de caminho, quem sabe, conhecer um Patrick Swift" ; ou a National Library, com a sua magnífica sala de leitura circular.



jardim Dubh Linn




Mais um "Dubliner":  Patrick Swift


Monumentos: o novo e o antigo

Outras vezes procurámos mesmo:
Mercados, como Covered Market, com artigos de segunda mão e algum artesanato simpático ou a Powerscourt Townhouse, um centro comercial erguido num antigo palácio, com galerias de arte, joalharia e cafés.




Covered Market


 Powerscourt Townhouse

E as igrejas. Curiosamente, Dublin apresenta duas catedrais.
A Christ Church Cathedral e a St. Patrick´s Cathedral. Ambas imponentes e com relvados aprazíveis, a primeira, classificada como o edifício mais antigo em Dublin.


Christ Church Cathedral 


St. Patrick´s Cathedral

E depois ainda um Museu Viking (o Dublinia) ou um cruzar nas ruas com um anfíbio louco transportador de capacetes e uivos de felicidade vikings; ou o Castelo da cidade, ou, ou….




castelo de Dublin

As ruas animadas, a música...

A animação está sempre presente, basta entrar ou passar perto de um pub a qualquer hora do dia. Por isso, em Temple Bar, há um museu em nome da música, Rock ´N´Roll Museum. Se não quiser entrar (as entradas não têm preços muito convidativos), contente-se com a “Parede da Fama”, na qual se destacam os grandes vultos musicais irlandeses, como os U2.



Wall of Fame

Percorrendo as ruas mais comerciais, como a Grafton Street, a música está sempre na ordem do dia e ao vivo, assim como outro tipo de animações. Uma cidade viva e musical!


Molly Malon, a vendedora de peixe e frutos do mar, eternizada em música e estátua, na Grafton Street


Animação na rua

A repetir

Não houve tempo para tudo, nem os cordões da bolsa esticaram para tudo, fica sempre algo para trás, a pensar, "pode ser que cheguemos aos cem e que a reforma seja farta e um dia quem sabe aqui voltaremos"... Não foi a primeira e não será a última visita, aqui fica o voto!