quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Maruxaima (Galiza, Rias Altas)






Donde vieste tu, sereia encantadora, com teus enleios de voz, enleando pescadores e redes?

Dizem que vives numa cova tecendo fios de linho e que tocas um corno atraindo marinheiros.


Podias ter vindo de bem longe, nadando e flutuando desde os mares vikings, ou das costas célticas, assustando povoações de pescadores, assaltando as suas barcaças, fazendo com que dentro das suas casas de telhados de xisto, as mulheres chorassem véus de luto.




Agora vives em San Ciprian, pequeno “pueblo” piscatório galego, uma língua de terra atravessando duas praias e ao fundo um farol, guia de todos os dias. Lá ao fundo em alto mar, dizem, a tua ilha, Maruxaima.




Tens longos cabelos loiros como as areias douradas das praias onde vão desaguar franjas de verde.

No verde as casas desarrumadas, algumas bem antigas, com seus telhados escorregadios seguros por pedras grossas e redondas. O homem assim o quis, são hábitos ancestrais, lides do dia a dia, costumes imemoriais, como as lendas, como tu, sereia-feiticeira.






Simpaticamente, do lado oposto à tua praia, olhando para a língua de terra e para o colorido das habitações, um “quintal” a acolher forasteiros viajantes que sonham à noite com sereias e cantos vindos de cornos, búzios e conchas.



quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Açores – o sentido que faltava






Vamos lá sem mais demoras ao palato.
E concluiremos que este vive acompanhado dos outros quatro (ou quase quatro) irmãos.

Não ouviram já o ditado que os olhos também comem?
Pois é, dou o exemplo das cores magníficas do salgado combinado com o doce. Em S. Miguel, este, enchidos com ananás, é um prato típico incontornável.



Façamos então um pequeno périplo pelas diversas iguarias e locais de pasto frequentados.

Em Ponta Delgada, a conselho de muitos experts na matéria, experimentámos, assim que chegámos, cheios da fome despertada pelas alturas e pela ausência do substancial almoço, a tasca “A Tasca”, que antes de o ser foi prisão. 


Fica na rua do Aljube e nela se fica preso a um ambiente agradável e simpático ( o nosso primeiro contacto com o sotaque e simpatia micaelenses) e a uma vontade criminosa de querer comer toda a variedade do cardápio, que em vez de ser uma lista banal, surge impresso num largo jornal.


A ideia é provar o que é tipicamente da região, como os enchidos já falados ou as famosas lapas. Curiosamente, gostámos das lapas, para mais tarde ficarmos a saber que aquelas nem eram as melhores, nem no tamanho nem no sabor que não excluía um certo travo a esturricado.


Não obstante, aviso já que é necessário reservar, a não ser que vão esfomeados às seis da tarde como nós, e consigam uma mesa antes dos comensais das marcações chegarem em catadupa.

Dias mais tarde, portanto, descobrimos que as lapas podiam ter um “look” mais apelativo, em locais como ao “Ponta do Garajau”, em Ribeira Quente ou o “Atlântico”, em Vila Franca do Campo.


Foi na “Ponta do Garajau” (também é importante reservar. Aliás, parece que na ilha a regra é reservar. Provavelmente vicissitudes da época alta...) que nos apresentaram peixes com nomes e sabores desconhecidos, como o lírio (sublime!!!), o peixe-porco e o alfonsim.





Com preços bem mais acessíveis e manjares dignos de reis a tocar todos os sentidos, incluindo o tato, porque comer com as mãos ainda sabe melhor, são os chicharros (carapaus ou jaquinzinhos) fritos, acompanhados de pasta de feijão branco, cebola curtida, limão galego e pickles da terra. 



Isto no Mané Cigano, em Ponta Delgada, uma tasca minúscula, com três “Manés” da mesma família, um a fritar peixe e dois ao balcão, servindo cervejas geladinhas, vinho de cheiro num jarro de outros tempos e frases com piada.
Contrariamente aos outros, aqui a política é não reservar, esperar o q.b. (nunca muito) e conviver com os vizinhos do balcão ou os do lado, porque as mesas são compridas e partilhadas.  


Não esquecer que só abre à hora de almoço. O objetivo é servir bem e não enriquecer de um pulo, a vida são dois dias e há muito que apreciar e fazer na ilha.

Por uma questão de não fugirmos à norma, “Em Roma sê romano”, provámos o cozido das Furnas. O mito do sabor a enxofre não se revelou, mas elegê-lo como “o” prato não foi o caso. O cozido da minha terra, acompanhado com grão, consegue destroná-lo. É claro que não sabe o que é o fundo da terra…



Já o mesmo não se pode dizer do ananás. Só sabe bem comido no seu espaço natural, as milhas de distância e transporte alteram-lhe certamente o sabor. Foi o nosso pequeno-almoço de todos os dias.

Sem “look” extravagante ou cheiro original, é o pecado chamado “bolos lêvedos”, leves ao toque, mas que nos tornam mais pesados…

Como veem, um sabor sentido nunca vem só.

sábado, 8 de setembro de 2018

Açores – os 4 ou os 5 sentidos?




Se já disse tudo sobre S. Miguel?

Falei certamente da importância dos sentidos, porque lá há sempre uma sinfonia de sinestesias a ser manipulada. (Uma sinestesia é uma mistura de sensações, daí o “palavrão” que aqui assenta que nem uma luva).

Creio que distingui a VISÃO, sempre presente com mil estímulos coloridos, como o verde dos campos ou das lagoas e o azul das águas a confundir-se com o eterno céu.

Mas não falei que, para a visão abarcar tanta beleza, a ilha é pródiga em inúmeros miradouros. Visitá-los a todos seria tarefa para muitas viagens a S. Miguel, por isso deixo apenas o testemunho daquele onde as cores e as formas reinam em absoluto, o do Sossego, num cantinho bem elegante do Nordeste.
















Da VISÃO depreende-se e desprende-se o OLFATO, e ainda não falei do verde doce das plantações de chá. Emana dos longos tapetes verdes o cheiro doce e feliz da “camellia sinensis”, assim como do interior da fábrica de chá Gorreana. 





Está na ilha desde 1883 e constitui uma visita que toca todos os sentidos, incluindo o PALADAR, uma vez que se podem provar os vários tipos de chá existentes, com especial relevo para o preto e o verde. A sabedoria ancestral chinesa ajudou o erguer deste empreendimento, juntamente com o solo micaelense propício à cultura.
A fábrica permanece imutável aos tempos e pode ser visitada em simultâneo com a labuta diária dos seus trabalhadores, podendo fazer-se um percurso que vai desde a colheita ao empacotamento.




Da AUDIÇÃO destaco o som divertido das cagarras, uma ave marinha prima das gaivotas, mas que só se ouvem à noite. A seu lado, por mera coincidência, deparámo-nos com o Festival Blues Caloura e no cartaz a jovial banda Budda Power Blues e a magnífica voz de Maria João. Um concerto único no luar tépido da gigante falésia da Caloura.



Falei do TATO, expresso no toque das águas e no sentir das suas temperaturas, quentes, frias, aveludadas, lisas.

Toquei ao de leve no PALADAR, quando mencionei o chá ou os bolos lêvedos da D. Rosa ; porém, muito mais há a provar, porque afinal estamos em Portugal e, aqui, a gastronomia é sempre um prazer.

Deem-me só mais umas horas para vos aguçar, a vós, o paladar e a mim, a memória para recordar.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Açores, terra(s) firme(s)




Chegaram e (alguns) ficaram. Primeiro as casas e logo a seguir (ou seria o contrário?), as igrejas. Brancas e cinzentas. Cor da pedra que a terra dava. 


E assim nasceram as povoações logo batizadas de acordo com o óbvio circundante: Ponta Delgada, Furnas, Ribeira Grande… quando a inspiração faltava, Nordeste, Povoação…

A maioria com um ponto em comum, o mar mesmo ali em frente, ponto de partida e de chegada, porto de abrigo e de trabalho, porto de fome e de luto.

Estes pontinhos brancos de Norte a Sul, de Este a Oeste não são o clímax da beleza em S. Miguel, já sabemos que o Belo casa com o inagualável verde e as inolvidáveis flores e as adormecidas lagoas.

De Ponta Delgada, com fugazes visitas, uma à chegada outra à partida, relembro aqui o poeta. Antero de Quental, o poeta que aqui nasceu e aqui pôs termo à vida, neste banco verde à espera de uma outra esperança.



O poeta que ninguém quis recordar no seu fim e é relembrado noutro jardim.


Dentro dos muros desse Convento da Esperança onde a esperança viva findou, numa pequena capela à porta fechada, lar do Santo Cristo dos Milagres, uma missa familiar que não se podia fotografar. Só o silêncio do claustro.



Das Furnas relembro a simpatia da senhora Rosa Quental, boleira dos famosos bolos lêvedos e que afirma ser familiar do Poeta, apesar de trocar as voltas ao parentesco.


 E a igreja matriz, adornada de luzes como todas as outras da ilha, à noite palco de festas e romarias.


Da Ribeira Grande, não saltando o seu exlibris, a ponte dos Oito Arcos, revivo a sorte de nos ter calhado a rifa do Festival Internacional de Malabarismo, um momento único de alegria e energia.






Do Nordeste, a pérola micaelense mais sorridente, a sua beleza simples e genuína.


Da Povoação, um ou outro detalhe tão simples, tão português.



De todas elas, a calma de ESTAR e a simpatia de quem lá vive, não logo à primeira frase mas depois de as línguas falarem a mesma língua.

sábado, 1 de setembro de 2018

Açores, banhos frios ou não, dependendo dos gostos e das marés





Há ali um ponto na ilha de S. Miguel que é especial. É que, olhando para a esquerda vê-se o Sul, olhando para a direita o Norte. E, Norte e Sul são o azul e mesmo mar.


Rodeados dele há quem se sinta enclausurado. Dizem. Não deve ser nesta ilha, nesta ilha há muitos quilómetros para percorrer e nem de todos os pontos o mar é uma constante. Digo eu. Eu, que nunca me senti fechada e até me agradou a ideia de poder virar as costas ao mar, para logo a seguir poder encontrá-lo noutra dobra do mapa.

E depois é assim, quem o vê quer senti-lo. Saber a que ele sabe, já se sabe de um qualquer pirolito, senti-lo na pele é que nem sempre é igual.

Em S. Miguel há praias para todos os gostos. Algumas com longo areal (sempre cinzento-quase-preto), outras que alternam o quente com o frio mais uma vez devido aos efeitos das entranhas do vulcão, e uma especial da qual falarei lá mais para o fim deste lençol.


Caloura



A de Água d’Alto e da Caloura vímo-las com espírito de quem-acaba-de-chegar-e-ainda-tem-tempo. O mesmo sucedeu, na véspera da partida, na praia de Santa Bárbara, com espírito de quem-já-tomou-muitos-banhos-e-agora-chega. Nesta última, absolutamente procurada por surfistas, recuámos no tempo, dando uma vista de olhos nas casamatas ali deixadas desde a 2ª Guerra Mundial.



Sta. Bárbara






casamatas em Sta. Bárbara




A de Rabo de Peixe, mais pequena e humilde, está nas antípodas da badalada Bárbara. Um lugar simples, com gente da terra a aproveitar as férias de verão. Nós aproveitámos para piquenicar na relva ao lado da areia preta.



Rabo de Peixe 


Na praia de Moinhos a história foi outra. Depois de um dia cheio (ver roteiro) chegámos para contemplar e ficámos a saborear a paisagem, o pôr-do-sol e hambúrgueres de carne de “vacas felizes”.



Moinhos




Noutro ponto do mapa, veio a onda e o mar banhou o corpo. Era um fresco intenso que não era frio e sabia bem a fresco porque lá fora estava quente e sabia a sol. Isto foi na praia de Mosteiros, um cenário lunar de pedras pomes escuras. 



Mosteiros




O mesmo sabor sucedeu nas Ferrarias, aquela que fica a descer a pique lá no fundo da terra. As marés subiam e não deu para saborear o morno das águas, foi sempre tudo fresco e com ondas a cercar as paredes das intituladas piscinas.


Em Povoação espreitámos a praia e a nova piscina. Nota-se que o turismo cresce e que quem é da terra pode aproveitar o que há décadas seria só mar para pescar.


A grande Grande GRANDE praia surge agora no fim do lençol e surgiu no fim do roteiro. Areal não tem, seja ele dourado ou preto, mas tem água a 24 graus (ou mais de certezinha), rochas, cagarras à noite, limpidez e peixes a deixarem-se mirar, quase tocar. É um círculo azul e transparente cercado de terra por todos os lados exceto uma pequena entrada, uma espécie de porta sempre aberta por onde o mar entra. Por ali e por pequenas frestas na terra circular e, no exterior das paredes da terra, é tudo mar outra vez. O Atlântico. E o que é praia não o sendo é uma ilhota frente à ilha. Chamam-lhe ilhéu. E como fica de frente para Vila Franca do Campo, ficou ilhéu de Vila Franca. 




Foi entretanto classificada como área protegida e por isso está condicionada a 400 pessoas por dia. Escusado será dizer que é uma loucura para se conseguir lá chegar. Não porque seja longe. Em dez minutos o único barco de passageiros que faz oficialmente o percurso põe-se lá. O drama é ter lugar no barco. Por net é uma hipótese (mas nunca para o próprio dia, ao ingresso nº 200 a coisa fecha); a outra hipótese é levantar cedo e cedo erguer direto para a fila no porto de Vila Franca.












 A sorte bafejou-nos e conseguimos partir no barco a motor. Em boa hora, foi o mergulho mais refrescante e límpido de todos! No ilhéu frente à ilha!