domingo, 19 de junho de 2016

Pelas margens do Guadiana




Lá as cores são outras, e o ar ou vento outros. Lá, onde o Guadiana escorre e sobe, recebendo o sal das marés, as cores e o ar são outros. Uma cor a terra, uma brisa que não é de mar e nem é brisa.









As pedras também são outras, as do chão, as das casas, as da muralha, as do castelo. As que estão soterradas e as que se erguem ao sol. É o branco árabe e é Alentejo. É o castanho-terra dos romanos, dos muçulmanos, do rei árabe, do rei católico….
Lá, as civilizações recuam e são uma mistura dos tempos, eras que confluíram para o mesmo fim: a terra , o(s) deus(es), o rio. Lá, em Mértola, continua o passado no chão pisado, no branco a olhar o céu, no olhar branco até de um gato.



À beira-cais o rio continua a ser fonte – do pescado, do banho, do mergulho, e mais recentemente da canoagem. Na margem esquerda, outrora fonte de pão, o centeio e a cevada moídas nas Azenhas de água. Agora relíquias e pedras abandonadas.  





Azenhas 


Entre Mértola e Serpa, outras estórias. A estória e a História de uma família inglesa, a Mason & Barry, que ergueu, num canto sem nada, uma fortuna com tudo. A aldeia das Minas de São Domingos erguida porque havia minérios, cobre, zinco, chumbo e enxofre,  a enriquecer gente. A mina, escavada pelo negrume de centenas, transportada ao longo de carris, 17 quilómetros até ao fim da linha, durou um século.


 Partida: São Domingos , destino: Pomarão, lugar em nenhures, na confluência entre o rio Chanca e o Guadiana, paredes meias com Espanha. Chegado ao destino, o carregamento era transportado em barcos, 500 por ano, imagine-se, dali até Vila Real de S. António, do Algarve até Inglaterra.




Casinhas dos trabalhadores e fim da linha, Pomarão 




Em São Domingos a aldeia crescia, de início 300 casas, duas divisões, portas e janelas pequenas, irmanadas, juntas, albergando mulheres e crianças que os viam partir, a eles, negros, para o buraco, para a linha. Depois vieram mais casas, os Correios, a mercearia, o teatro, o campo de jogos (apenas para os ingleses). No fim, 3.000 habitantes, escola, centro de saúde… e, afastada e sóbria, a mansão dos ingleses, o court de ténis, a hierarquia social espelhada na geografia e arquitetura das casas.
Depois a fonte estancou, foi o desemprego, foi o abandono.




Hoje a memória reaviva-se no testemunho das legendas a preto e branco, no percurso pedonal, na Casa do Mineiro, no Hotel de quatro estrelas outrora mansão, no buraco de águas vermelhas paradas.




No cenário envolvente, as Tapadas, a Grande e a Pequena. Na Grande, a praia fluvial com a sua fina areia, bar, pista de canoagem e autocaravanas, muitas. A sinalética exclui-as mas ainda assim lá estão, pelo menos na primavera, nesta primavera. 






À noite, o silêncio. Ou talvez não. Se forem à aldeia, num dos cafés perdidos, os homens cantam. É o cante alentejano desde o tempo das minas, as vozes e a mini, as vozes e o vinho.
Outros recantos a visitar? Muitos. Nas redondezas uma paragem em Paragem (restaurante), situado no pequeno lugarejo chamado Corvos, para um polvo à lagareiro macio bem regado com azeite, ou um cozido de grão na panela de barro.
Sim, de barro. O barro da terra , lá, onde tudo transpira passado, um passado irreal a preto e branco assente numa realidade quase surreal.


(Pernoitas de autocaravana: no cais em Mértola; à beira da praia fluvial em Minas de São Domingos e, pelo que vi, no terreiro ribeirinho no Pomarão).



7 comentários:

Teresa Diniz disse...

Belo texto, belas fotografias. Deu-me vontade de voltar ao Alentejo...
Bjs

Maria Melo disse...

Excelente descrição, companheira, gostei muito, bem como das fotos. Continuação de bons passeios.

Paula Vidigal disse...

Obrigada pelo vosso "feedback". Venham sempre ao Alentejo, mesmo com 37º , como hoje. eheeh

Carlos da Gama disse...

Texto maravilhoso de uma terra mítica de mouros e marés. As margens do Guadiana inspiram e este s/ texto comprova. Parabéns.
Abraço do Carlos da Gama (memoriadamicha2011.blogspot.com)

Paula Vidigal disse...

Carlos da Gama: obrigada elas suas palavras e espero que o Alentejo também o inspire .

Anónimo disse...

Belo texto.
Penso que teremos que começar a divulgar pelos municípios estes maravilhosos postais realizados/divulgados pelos autocaravanistas.

António Oliveira

Paula Vidigal disse...

´Que bela ideia , António Oliveira. O turismo agradecia. :)