As conversas são como as cerejas, umas levam às outras e falar de França de há uns anos atrás, levou-me a outra cereja ainda mais recuada no tempo. No tempo em que ainda nem sonhávamos com casinhas andantes, as férias eram muitas vezes passadas num iglo de 2/3 lugares, transportado por um Opel Corsa. A cozinha, essa, era uma caixa de papelão com algumas iguarias, um fogão “camping gás” de uma boca e loiça q.b. para os viajantes envolvidos.
Foi assim em 1997. Dois adultos e uma criança de 5 anos decidiram conhecer La France, munidos do dito voiture e de uma casa de pano.
O prato forte era percorrer o Loire e alguns castelos, dar um salto a Paris e Eurodisney e depois um pouco de Normandia e Bretanha.
Logo no segundo dia pisávamos a fronteira francesa, ficando deslumbrados com o Pays basque. Não fora as filas dos veraneantes e os campings esgotados, e a estreia teria sido cinco estrelas. Logo nessa noite, depois da dificuldade de encontrar lugar num camping, o céu abriu-se numa forte trovoada que nos fez pensar que os raios e a chuva nos transformariam em Noé sem barco.
No dia seguinte, o sol brilhava e a casa de pano foi dobrada molhada para que percebêssemos para todo o sempre o romantismo da vida de pé descalço.
Antes de entrarmos no país dos castelos, decidimo-nos por Poitiers, e, mais uma vez, o céu pregou-nos a partida da véspera, o que nos fez procurar um Hotel. A cidade abarrotava de gente, e foi no Turismo que negociámos um quarto de Hotel , logo ali junto ao Hotel de Ville, 311 francos para dois e meio.
A cidade revelou-se simpática e acolhedora, com alguns pontos de interesse artísticos: Notre-Dame-la-Grande (só de nome…) e os seus vitrais, o Baptistere Saint-Jean, o Palais de Justice.
Poitiers, Notre-Dame-la-Grande (?!!!)
Depois entrámos no reino dos castelos ao longo do Loire.
Loches - onde ficámos naquele camping familiar que durante anos nos enviou um cartão de Boas Festas ( o tal que voltámos a repetir o ano passado). Como não podíamos ver todos os castelos, limitámo-nos a passear pela vila saboreando as vistas exteriores, o que não foi mau, porque assim, o ano passado, tivemos a oportunidade de visitar o interior do castelo. Aproveitámos dois dias em Loches de sol e tempo ameno, cozinhando bifes de cócoras e sopa de pacote para mimar o “petit” fã de sopas. A piscina da Câmara, mesmo ao lado do camping e de acesso gratuito, foi outra alternativa de sucesso, deu também para perceber como os franceses, até em pequenas localidades, têm condições que suplantam o cantinho pouco desenvolvido onde nascemos…
A seguir a Loches elegemos dois dos grandes castelos que merecem parar e entrar: Chenonceau e Chambord. O primeiro assenta por cima das águas do largo rio, deixando-o passar por entre as suas arcadas de espelho. Nesse dia chovia e tivemos de puxar das capas amarelas, o que nos fez agradecer a quem no-las tinha sugerido, pois Agosto em França não é o mesmo que o Agosto alentejano…
(Chenonceau)
Contrariamente a Chenonceau, Chambord aterra, altivamente, sobre uma farta coberta verde e lá dentro as suas escadarias em caracol e as grandes salas, muitas delas vazias, ecoam de passado e mistérios.
(Chambord)
Ao longo das estradas outros castelos espreitavam, uns privados, outros com grandes portões de bicos dourados, outros ainda ao longo das florestas cerradas. Muitas vezes até para entrar no parque da floresta há que puxar dos cordões à bolsa e pagar “le billet”, o que implica saber resistir a tanta beleza e comercialização.
Fora dos campos verdejantes e das florestas, percorremos ainda outras pequenas / grandes cidades, como Blois (com um camping completamente primitivo de sujidade) e Chartres, onde parámos propositadamente para admirar a grande “floresta do gótico”.
Blois, Hotel de Ville
Chartres, Notre-Dame
Em Paris outras aventuras nos esperavam: íamos dormir num apartamento de uns alentejanos emigrantes que não conhecíamos pessoalmente. O apartamento da concierge (a alentejana em questão) ficava em pleno coração da capital, mesmo ali a roçar o Arco do Triunfo e no prédio, imagine-se, da companhia de aviação de Antoine St. Exupéry!
Chegámos em bom dia: o casal era contemplado com o seu segundo rebento, o Brian, que tivemos o prazer de conhecer uns dias depois, regressado da maternidade.
Fizemos, pois, o papel de concierge, recebendo o correio matinal, ficando a sós num T0 minimalista.
No mês de Agosto os carros não pagam estacionamento e assim deixámos o Corsa em frente à porta e partimos a pé e de metro à descoberta de Paris:
Jardins das Tulherias, Louvre, Notre-Dame, Orsay, Invalides, e o imprescindível passeio de bateau-mouge ao final do dia. Ainda Centre Georges Pompidou e as performances de alto valor artístico durante todo o dia. E, claro, Place du Tertre para umas lições de pintura e um mergulho no século do Impressionismo.
Os pombos de Notre-Dame, Paris
Animação em Charles Pompidou
Louvre
Tertre e os artistas impressionistas
Pont des Invalides
Depois a ida até à Eurodisney, num dia esgotante de emoções mesmo, mesmo até ao seu fecho. Durante o espectáculo nocturno o jovem de 5 anos apagou-se por completo e por mais que o chamássemos e lhe abríssemos literalmente as pálpebras, o véu era só negro e certamente estrelado de sonhos. Nem o céu estrelado do fogo de artifício foi capaz de o abanar dos braços de Morfeu.
Depois de termos conhecido o recém-nascido em terras francesas, lá partimos rumo Norte até Rouen, não sem uma paragem obrigatória em Giverny para conhecermos outro reino encantado: os jardins japoneses de Monet e a sua casa-museu. Quanto mim o grande momento mágico da viagem e por isso decidimos logo ali abrilhantá-lo ainda mais, dormindo numa pequena casa de turismo rural verdadeiramente romântica (24, rue du Moulin, Fourges) . O pequeno-almoço matinal servido no pequeno jardim colorido, ficou registado no top das memórias.
A casinha onde dormimos
Casa de Monet
Jardins japoneses
Até Rouen, alguns pontos de interesse: Vernon e abadia Fontaine-Guérard.
Rouen
O sol voltou a brilhar por aquelas bandas e, de caminho até Mont St. Michel, presenteámo-nos com um camping de piscina para refrescar corpos e almas. Ao fim da tarde a aparição do Monte produziu um embate de cortar a respiração. Na realidade, essa sensação repete-se sempre em qualquer altura do dia, o monumento a St. Michel existe mesmo para nos deixar deslumbrados e boquiabertos.
Saint-Malo é outro ponto para maravilhar: o seu ar marítimo, piscatório, a língua azul aqui e o outro mundo lá longe encantam…
Completamente diferente, por ser mais elemento Terra, Dinan não lhe fica atrás. São outras cores, mais flores e menos azul, mais Bretanha e outra tradição, outros costumes e afinal é ali tão perto.
Por ali nos ficámos, conscientes que tínhamos de lá voltar. Fizemo-lo mais de 10 anos depois e valeu a pena.
Afinal as viagens também são como as cerejas!
2 comentários:
Cara Paula,
Também eu comecei assim, passava o ano de 1985 e não com uma criança mas com duas. Como eu também gosto de cerejas, nunca mais parou até hoje e agora já nos reduzimos a apenas dois, o que não deixa de ter as suas vantagens.
Vou estando atento.
Um abraço
Pois, por enquanto ainda somos quatro, mas desconfio que com tendência a descer para os três.
Mas de uma forma ou outra, espero, "cerejar" é sempre bom.
Paula
Enviar um comentário