domingo, 13 de setembro de 2009

A História recriada com banhos de rio


Às vezes a Net dá assim um empurrãozinho no que respeita a sugestões e motivos para viajar.
Estava eu à procura de um roteiro especial para fim-de-semana – de interesse histórico-cultural, refrescante e económico – quando, pesquisando “praias fluviais” (o lado refrescante da questão), me saltou à vista uma feira medieval em Castelo de Vide.


Por três motivos foi o tiro certeiro:
1- A vontade de continuar o episódio interrompido nas Astúrias (do qual falarei numa próxima crónica);
2- Castelo de Vide fica entre algumas das praias fluviais seleccionadas;
3- O percurso naõ nos faria andar muitos Kms e, para quem tinha que regressar a 7, de manhã, era o ideal (de referir que as datas da feira eram, obviamente, as pretendidas: de 4 a 7 de Setembro).


Limitados pelo tempo e por compromissos múltiplos, aí fomos nós às 22 horas de dia 4, numa inusual viagem nocturna, para chegarmos a Marvão precisamente às 24.00. À beira dos muros de pedra silenciosos e sombrios, estacionámos a “carroça”. Ainda nos preparámos para uma visita nocturna, na esperança de uma taberna, tasca ou pub para uma refrescante bebida de boas-vindas, mas nada. A vila tinha as suas portas abertas para o silêncio e para as sombras das janelas corridas. Nem vivalma. Apenas dois gatos negros espreitaram sorrateiros, quais humanos transformados em felinos. Arrepiámos caminho para sermos acordados mal o dia nasceu, por um enervante sistema de rega mesmo instalado de modo a regar paredes e janelas da “carroça”. Mudámos de lugar para mais abaixo. Continuámos sozinhos com as muralhas a olharem-nos de frente.
Já o dia ia alto e já os fantasmas se haviam dissipado, acordámos com vozes e motores que aparcavam, na sua lide turística e exploradora. Explorámos pois o território, antes de partirmos na busca das águas refrescantes.


Marvão, banho de sol e luz





O peso da brancura logo ali nos atacou, numa bofetada de luz e calor. Pedras, sol, cortinados de renda, malvas transpiradas, ameias altaneiras, ecos longínquos de lutas árabes…





…Ficámos a saber que, em Outubro, Marvão se vestirá (irmanada com Badajoz) para a festa de outros tempos: Al Mossassa. Fica agendado para breve um próximo salto … provavelmente a Badajoz… (http://www.badajozcapitalenlafrontera.com)

O calor apertava o cerco. Estava na hora do banho… e do almoço. Um pouco mais abaixo, na Portagem, agora sem cobrador, os piqueniques ferviam ao lado da zona balnear: uma piscina fluvial, aproveitando as águas do rio Sever.
Bem frescas, as ditas. Vai-se indo, desde o pé até ao cocuruto, devagarinho e com cada vez mais frio, até que se mergulha de vez. Lá em cima, a muralha do morro agreste de Marvão espreita.



Marvão, lá em cima



Piscina fluvial, Portagem



No monte imediatamente a seguir, já o castelo engalanado de Vide também espreitava. Estava na hora da festa. O programa indicava as 17.00. Lá fomos à espera de dar de caras com o cortejo régio, mas a festa começou com mais de uma hora de atraso. Devíamos ter aproveitado mais tempo a hora do banho. Ali, rodeados de tendas, barracas, tascas e feirantes sentia-se o peso telúrico como se fosse Agosto dos velhos tempos.




Estrada Marvão - castelo de Vide: as árvoes com saias


Os tempos eram de facto outros: um torneio de armas apeado, cavaleiros de Portalegre, de Avis e das redondezas, espadas e espadachins, comediantes e danças do ventre, camelos debaixo do sol escaldante, falcões, árabes, cristãos, judeus e sarracenos… uma reconstituição histórica abrilhantada por numerosos artistas portugueses e estrangeiros, e acima de tudo recriada por Vivarte (www.teatro-vivarte.org), companhia de teatro dirigida por uma cara que já não via há anos e que depois de muito esfregar os olhos lá reconheci.
A noite passou placidamente ao sabor de lutas de espadas, imperiais, carne assada no espeto e jogos medievais.




Ofícios


Desfile régio



sons e danças



o olhar de outros lugares

torneio de armas


argola XL /argola S


os falcões adoram-me...



outros sabores, outras cores


hora do jantar!


O domingo abriu-se tórrido. Voltámos a banhos e o menu era longo. Nas poucas horas que nos restavam havia várias propostas em cima da mesa e, para agradar gregos e troianos, tivemos de percorrer mais 50 km para noroeste e outros 50 de regresso. Para noroeste, a rota de mais duas praias fluviais: primeira, a da Comenda, completamente seca e “plastificada”, da qual fotografámos o cenário natural envolvente e desejámos ter menos de 14 anos para um banho na piscina infantil;

"praia" fluvial da Comenda

a segunda era de facto a mais promissora: já não um qualquer riozeco ou ribeira, mas o excelentíssimo Rio Tejo, ali, entre duas barragens e de frente para o castelo de Belver.




praia do Alamal


A descida-subida até à praia desafia carros pesados como a AC, mas vale pela soberba paisagem. Lá em baixo, os lugares amplos são escassos, mas ainda assim, graças a um número aceitável de banhistas, estacionámos à vontade, com a porta virada para as águas ondulantes (quando os barcos a motor passavam) do Tejo. Na linha em frente do rio, outra linha corria: a dos comboios que muito espaçadamente passavam.
A linha do rio, convidativa a mergulhos e longos banhos, é calma e tépida. A areia, estilo pó amarelo e seco, escalda.



castelo de Belver




O almoço fez-se mesmo ali, a olhar o rio, “acampando” e mastigando pataniscas de bacalhau caseiras. Pés lavados no rio, lixo nos contentores, apetecia ficar até ao mergulho do entardecer, mas ala que se faz tarde, porque promessas são promessas. E lá retomámos a estrada para Castelo de Vide, de modo a satisfazer o jovem troiano que ansiava por uma piscina de escorrega. A piscina de Castelo de Vide, com uma varanda aberta para a estrada, era, desde a véspera, um apelo tremendo para olhos mais incautos e infantis.
Fizemo-nos pois à estrada com alguns gregos ligeiramente contrariados, mas depois de mergulhados no cloro azul e moderno, todos saciaram o momento.
Já à noite a Festa continuava: mais torneios, danças, um Juízo eclesiástico e um colorido e sonoro fogo-de-artifício.
Bastaram algumas horas na Praça, para que perdurasse durante muitas mais, a sensação de que fazíamos parte de um regresso ao passado, enfiados numa bolha na qual ficção e realidade se confundiam, indistintas.
Descansámos já depois das duas, com os olhos e as mentes ocupadas em fantasias. Às 6.30 o despertador tocou. Era a hora (ir)real da partida. Um fim-de-semana a começar tarde e a acabar com a aurora.


Pernoitas:
. Marvão, no parque de estacionamento o longo das muralhas (deserto, mas seguro; quieto não fora o sistema de regas madrugador).
. Castelo de Vide, atrás do Pavilhão Gimnodesportivo (N 39º 24’ 37.2’’ W 007º 26’ 57.9’’).
Estacionamentos:
. Portagem (terreiro em terra batida ao lado do rio Sever)
. Castelo de Vide (ao lado da Piscina Municipal)
. Praia do Alamal, Gavião (N 39º 29’ 16.5’’ W 007º 58’ 08.9’’)




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