Sempre tive o fascínio das JANELAS.
São elas os olhos das casas e é por detrás delas que está a alma. Esta, como
qualquer alma, não se vê, adivinha-se, imagina-se...Aqui há dias, porém,
aconteceu-me o contrário.
Na rua, nem reparei nas janelas (que
me lembre era apenas uma porta alta, forte, escura). Quando dei por mim estava
dentro da alma, dentro da casa, da “casa dos espíritos”. Cada um deles tinha
uma história, cada canto, cada peça, cada partícula de pó, átomo ou célula
tinha uma alma.
Realidade ou ficção, os fantasmas
por lá andavam, desde o século XVIII até hoje, para onde haviam de ir se aquela
é a sua casa?
Uma “casa com vida própria”, como nos disse o seu atual proprietário.
E assim que ele proferiu a frase, o tule transparente dos fantasmas começou
nova dança do ventre e o relógio do tempo girou à volta de três séculos de
estórias.
Foram os pés dos homens pisando a
uva, os tonéis a encherem-se de tinto espumoso a par das vozes dos cantadores
até à alvorada.
Foi o homem do capote que chegou e bebeu mais um copo,
aquecendo as mãos no bafo do frio que das paredes e pipas escorria…
Lá fora, na despensa, as mulheres na
azáfama. Os cestos prontos para a ronda, o cantil à espera da fonte, o
piquenique à espera do cante, os pardais na sua gritaria no limoeiro.
Lá em cima, na cozinha, os bolos
crescem nas formas, e o dono da casa, outrora com cinco anos, espera para rapar
o fundo do tacho, na mesma cadeira outrora do pai, do avô, bisavô outrora.
Na sala do fundo passa-se a ferro, uma voz
canta, podia ser soprano, podia ser o piano, o vento dispersa o som, as vozes,
os pardais. Os fantasmas adormecem, os santos velam pelos vivos e pelos mortos.
Algures no Alentejo. Uma casa de vidraças
viradas para dentro, uma casa de terraço virada para fora.
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