terça-feira, 10 de julho de 2018

Num dia de Primavera, Barrancos


Barrancos fica fora de qualquer rota, lá no risco final do mapa, a olhar para Espanha e com o seu típico linguajar a tocar os dois lados do risco. Nem português nem espanhol, simplesmente; ou complicadamente, um dialeto, o barranquenho.



Monsaraz



Quando se está em Monsaraz, com aquela vista altaneira abarcando terra e água, água e terra, apetece ir em frente, quais navegadores, à procura de mais chão e, nesse caso, há que ir até ao fim da linha. Até porque o nome Noudar (ali, paredes meias com Barrancos) apetece. Há nomes assim, que nos chamam, nem a gente sabe porquê. Este talvez por revelar algum paladar…


Mas antes Barrancos, a terra das muitas cegonhas ancoradas em altas chaminés brancas, cantando e tocando castanholas sobre as vidas de quem passa. Naquele dia continuavam lá.


Também era dia de feira, a do presunto e queijos. Abastecemos o cesto e petiscámos “tapas” como em Espanha, mas com sabor a Portugal, mioleira, ovos com espargos e um copo do salutar tinto.

Estava o petisco aconchegado no estômago, faltava o caminho até Noudar. Sete quilómetros a pé não daria muito jeito, lá foi a Casinha a tremer por uma estrada de solavancos e buracos a avisar que o número sete se multiplicaria em tempo. Sete e sete são catorze com mais sete são vinte e um e ainda assim estes não chegaram, foram precisos 45 ou 50… Munidos de mapa ainda fomos parando onde nos indicavam ao longo do grande Parque de Natureza Noudar. Lá estão algumas chouças de pastores com os seus tetos de colmo parados no tempo, talvez abrigo de alguns texugos pela calada da noite. Javalis e linces nem vê-los, nem outra coisa seria de esperar em plena luz do dia com o sol a aquecer.



Lá está o verde salpicado das alvas estevas num fado constante. E o cheiro a campo….
Lá está, sem o mapa o indicar, a placa a apontar para um antigo campo de refugiados da Guerra Civil espanhola e o rio sempre ali ao lado, estando lá mas sem o estar.
E o Castelo nunca estando. Só depois de muito andar, subir, descer e curvar, aparece. Intacto por fora, quase habitado por dentro.




O guarda, com o seu sotaque cantado, lá foi cantando a sua rotina, a beleza eterna da paisagem, “além é Espanha, aquelas vacas são portuguesas as outras espanholas, aquele é o rio Ardila , o outro é uma ribeira, a de Múrtez”, mas a narrativa das origens e dos reis não a sabia na ponta da língua, “é antigo, sim senhor, muitos reis aqui passaram, são tantos que me baralho todo”. D. Dinis foi um deles, faz parte do baralho, como aquele que decidiu que as muralhas de Noudar podiam receber foras da lei, que ali podiam viver à solta e em paz, desde que contribuíssem para o trabalho colectivo da manutenção.



Mais uns cinquenta minutos pelo mesmo caminho e as giestas sempre a fazerem-nos companhia. Depois é o Grande Lago novamente e Noudar lá em cima do outeiro, parece logo ali e olha bem o que andámos para lá chegar. Mas é mesmo assim, ali está, ou parte dele, desde o tempo dos romanos.
O Grande Lago é que não estava ali, nem no tempo de D. Dinis…

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