terça-feira, 3 de setembro de 2024

Ainda Imperatriz

 


 

Viena, a imperatriz austríaca, esplendorosa na Renascença, no Barroco, na Modernidade.

Trono da música, berço de inúmeros museus e palácios, é difícil em Viena escolher perante um leque tão variado de pérolas, especialmente com um singelo pacote de três dias incompletos.

Felizmente, a maioria do compacto e monumental centro histórico concentra-se numa mesma área facilmente explorável a pé.

Comecemos pelo seu ícone gótico, a catedral Stephansdom (S. Estevão) , com as suas agulhas em filigrana e o famoso teto axadrezado, situada no coração da cidade. A entrada é gratuita.

Ao seu redor, vale a pena andar sem destino nas ruas limítrofes, calcorreando, por exemplo, a antiga judiaria, agora zona de muitos pubs, e entrar na simpática livraria inglesa Shakespeare & Co, também existente em Paris.



É igualmente sumptuosa, de qualquer dos seus ângulos, o grande marco musical da cidade, a Ópera. O seu estilo é neorrenascentista e, caso possam, assistam a um concerto, ópera ou bailado. Na rua, em seu redor, a oferta fervilha por rapazes vestidos à época, quais Mozart vendilhão.

 

Agosto presenteia-nos com festivais como o Festival de dança, o Impulstanz . Uma espreitadela ao átrio do teatro Burgtheater, deixou-nos de olhar cheio, apesar da sua simplicidade alva e de chantilly contrastar com o seu exterior opulento e mais pesado.

 


No coração da cidade, é impossível evitar montanhas de turistas, sobretudo nas ruas  que rodeiam o Hofburg, na chamada Viena imperial . Os cavalos e as charretes continuam a circular, como se a corte por ali permanecesse. A arquitetura é sumptuosa, enchendo o olhar com as suas colunas, dourados, cobres esverdeados pelo tempo, coroas e anjos, motivos florais…



 


No jardim do palácio, o Burggarten, ergue-se a estátua de Mozart, de frente a uma clave de flores e, vizinhas do mesmo, as airosas estufas do início do séc. XX, agora metamorfoseadas em museu de borboletas e elegante café-restaurante.  O interior do complexo Hofburg é umas das opções a visitar, já que inclui os aposentos imperiais, a escola de equitação, museus vários e a Biblioteca Nacional.


 


Um dos Museus aí implantados é o Albertina, no qual, no 1º andar, são visitáveis alguns salões nobres, onde lustres, salamandras gigantes e mobílias convivem com algumas gravuras de Leonardo da Vinci, Rubens,  Rafael e a  famosa Lebre de Albrecht Dürer, entre outros.


 


No 2º andar, viaja-se no tempo desde Monet aos surrealistas, passando   por alguns quadros de Klimt, o pintor vienense mais afamado da História da Pintura.

 


Quase paredes meias a este complexo, encontram -se os jardins Burggarten  - palco refrescante de muitos turistas - e o  Volksgarten, com o seu elegante  roseiral.




Em maré de jardins e museus, realça-se ainda o percurso até ao Quarteirão dos museus. Todo o conjunto merece uma visita obrigatória, mesmo que não se visite o interior de cada um deles, uma vez que a arquitetura dos mesmos é já de si um passeio cultural e artístico, desde o barroco a um estilo mais contemporâneo. Outra forma de entrar na sua energia é aproveitar a relva, piquenicar ou até mesmo praticar técnicas de relaxe em grande grupo.




 

Ao final da tarde, no mês de Agosto, é ainda possível ouvir concertos e respirar a onda fresca e jovem no largo do MQ.



Outra hipótese para final de tarde, neste caso envolvendo um Biergarten a céu aberto tão ao gosto de alemães como de austríacos , é beber uma cerveja e degustar um petisco internacional na feira de petiscos frente à Câmara (Rauthauss). Esta é mais um ícone rendilhado e faustoso da cidade.

 



A Rathauss situa-se entre o Parlamento e a igreja Votiv, no centro do jardim Sigmund Freud.  O primeiro é colossal e o segundo não inveja as cúpulas da catedral.



                                                                              Votiv

Outra alternativa para a degustação regional e internacional é o mercado Brunnenmarkt, aberto todo o dia e perto da Neubau, zona de bares  restaurantes e galerias. Junto a ela, a rua comercial Mariahilfe Strasse, igual a muitas outras de múltiplas cidades europeias.

 


Entrelaçando arquitetura monumental e paladar não podem ficar de parte os famosos cafés vienenses, como o Central ou o Demel. Qualquer um destes ilustram a importância do café enquanto centro social e político,  assim como o ato de beber o tão secular líquido escuro e viciante, ainda hoje servido com o acompanhamento de um copo de água.

 

Ambos também se relacionam com doçaria, nomeadamente o típico bolo vienense de chocolate e damasco, a sachertorte.

O Demel remonta a 1786, tendo sido frequentado pela Imperatriz Sissi. Já o Central teve como clientes habituais Sigmund Freud, Trotsky e o senhor baixinho e de bigodinho ridículo cujo nome não me atrevo a pronunciar.



 


Mais atual e publicitada em todos os cantos, sobretudo no metro, é a gelataria Ticky, no distrito Favoriten, que encontrámos logo à chegada porque a nossa zona de habitação era por aquelas bandas.

 




Depois de, na zona central, ter ouvido as badaladas do meio-dia no relógio Ankeruhr e admirado, em cada segundo, a dança das doze figurinhas, não se esqueça que ainda convém dedicar parte do seu dia a visitar alguns palácios, Schönbrunn  (palácio de verão da romanceada imperatriz) ou o Belvedere.



Aquele , mais grandioso e afastado do centro exige mais tempo , por isso optámos pelo segundo, igualmente esplendoroso . Divide-se em Upper e Down Belvedere ligados por um jardim francês de três níveis com cascatas e estatuária variada. É numa das galerias do Upper Belverede que se encontra uma coleção de obras de Klimt, nas quais o mais comercializável Beijo do mundo.


No distrito de Favoriten,  outrora uma zona de caça imperial, situa-se o parque Prater que se estende por   muitos e muitos kms. Numa das suas extremidades, anima ainda turistas e nativos o mais antigo parque de diversões do mundo, com a sua Grande Roda (1897) – testemunho ocular das duas guerras – e outras diversões mais desafiadoras e modernas, respirando adrenalina.

 


Mais afastadas da zona imperial vienense,  erguem-se duas construções extremamente originais, que elevam a arquitetura a outro nível, num registo alegre, teatral e sustentável , desenhado pelo arquiteto austríaco Hundertwasser. O prédio ganhou o seu nome e é uma área residencial e o outro, também casa-museu e restaurante, intitula-se  KunstHaus.

Qualquer um deles extasia o olhar e traz à tona a infantilidade de qualquer um, até dos mais sisudos.




 

E foi assim que nos despedimos de Viena - não sem antes darmos uma olhada rápida ao famoso Danúbio - com um sorriso infantil, mesmo sem termos conhecido todas as pinturas, esculturas ; sem termos ouvido concertos; sem termos ouvido as gargalhadas de Amadeus…

 

Saltámos para o Flixbus verde , e rumámos até Praga, apenas a quatro horas de distância. O mesmo não terá sucedido a Mozart que no seu tempo saltitou de uma cidade para a outra, noutras carruagens mais lentas…

(A chegada a Viena deu-se num voo da Ryanair, com partida da cidade do Porto. Viajantes: este casal agora de mochila às costas – a casa fica para outras andanças - e duas amigas especiais, uma do século passado, a outra no seu papel de afilhada especial que teve a paciência de guiar três idosos ainda (só um POUQUINHO) inaptos nas tecnologias)!

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Por este rio abaixo

 

A arte xávega não é pintura, não é escultura, não é dança, mas implica uma rede de cerco e um saco cónico para capturar o peixe prateado, a partir do engenho do homem e da sua força braçal, com a ajuda dos bois. Pratica-se, ainda hoje, em Portugal, ao longo do litoral norte português.

Em criança, lembro-me dos bois na praia de Vieira de Leiria a puxarem as redes, mas nunca ninguém me explicou que fazia parte de uma arte. Hoje, substituindo os bois, os tratores lá estão, ora puxando ora estendidos na areia, lazeirando quando a faina termina ou, se o mar e a meteorologia o não permitirem. Na segunda quinzena de agosto, não pudemos ver o puxar das redes, “o mar estava bravo”, palavras de pescador, “Só lá para quinta-feira”. (E ainda só era sábado).


Já na Figueira da Foz, mais concretamente na Costa de Lavos, dias antes, a labuta xávega aconteceu.

 


(foto de A.D.)

Em qualquer destas localidades costeiras, o mar, como fruto do rendimento, era complementado com a ajuda da terra. Os pinhais, do outro lado do mar, davam a camarinha, vendida pelas mulheres dos pescadores nas praias, ao jeito de saquinhos de tremoço.  Isto no tempo em que a procura de banhos se torna moda, (e no tempo em que os pinhais não eram devorados pelos incêndios), e estas populações, não enriquecendo com os frutos do mar nem com os da terra, viraram as mãos para a nova galinha dos ovos de ouro, alugando quartos, rooms, zimmers. Hoje, apesar do turismo, Vieira de Leiria continua a ser pobre, quer de vidas quer urbanisticamente.

Mais acima, na zona de Ílhavo, a Praia da Costa Nova, com mar de um lado e rio de outro, teve o engenho e arte de adotar os antigos palheiros para habitações de férias que hoje apetecem e são capa de muitos reels e Instagram de numerosos turistas. Se esta seria e é procurada por famílias da cidade com bolsos de linho branco mais desafogados e agora também pelos turistas, Vieira seria e continua a ser a pátria de gente da Terra, e dos emigrantes que a ela regressam nos meses de verão.


Seja como for, de Ílhavo ou de Vieira de Leiria (Murtosa ou Ovar), muitos pescadores partiram. Durante os meses de Inverno, a partir de meados do século 18, aí vinham eles Rio abaixo, Tejo abaixo, tornando-se nos “nómadas do Rio”, como os batizou Alves Redol.   Instalaram-se em aldeias como Palhota e Escaroupim, no Ribatejo, à procura de outros frutos do mar- o sável e a lampreia substituiriam o carapau e a sardinha. E foi nesses locais que ergueram as suas palafitas, nascendo assim as aldeias avieiras.




Escaroupim ainda lá está, preservando algumas dessas palafitas e reunindo, num pequeno museu, a história do Rio e das suas gentes.







As embarcações lá continuam embaladas pelas ondas do tejo e alguns dos descendentes vieirenses lançaram mão a outras aventuras, rio acima rio abaixo. Falo das visitas guiadas (Rio-a-Dentro), um simpático passeio que varia entre uma e duas horas, contemplando as cores do Tejo, admirando as ilhas da Garça, do Cavalo e ainda as povoações ribeirinhas.




Conselho de autocaravanista: se lá forem no verão, aproveitem para descansar e refrescar na piscina do parque de campismo de Escaroupim, um espaço simples, à espera de renovações e de mais visitantes.