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O perímetro urbano dentro de muralhas (hoje já sem a as quatro portas de acesso à urbe romana) foi desenhado à imagem e semelhança de outras cidades romanas, como Roma, quando Augusto decidiu fazer de Mérida um novo território, na Hispânia, da propaganda imperial romana. A bem dizer, o nome de baptismo não conhecia as seis letrinhas da actualidade. A cidade recebeu o nome de Augusta Emerita, para homenagear os eméritos de Augusto, as duas legiões que o serviram. Pasme-se! Com trinta anos de serviço, as tropas reformavam-se e o seu chefe oferecia-lhes terras como prenda pelos bons serviços prestados…
moeda emeritense no Museu de Arte Romana, Mérida
Augusto, no Museu de arte Romana, Mérida
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Dentro das muralhas ainda hoje se erguem os olhos do passado apesar dos ventos do tempo e de outros que por ali passaram saqueando, derrubando, conquistando, afirmando-se, caindo, levantando-se. A colunata incompleta e aqui e ali restaurada do Templo de Diana ou o Fórum romano são exemplo desses olhares. E estes são exemplos a olho nu, porque debaixo das pedras e prédios actuais, outras Emeritas e Méridas jazem. É como se a actual fosse um mil folhas de muitas camadas. A actual não brilha pela beleza arquitectónica, não fora o brilho do Grande Império e Mérida seria mais uma cidade pouco apelativa da comum Extremadura espanhola.
Pormenor de Fórum
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Mas Augusto escolheu-a pela sua localização e pelo charme dos dois rios que por ela passam: o Guadiana e o Albarregas.
A ponte romana é mais um marco daqueles templos de glória.
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Marco obrigatório e sempre pisado e repisado (as filas no guichet de vendas formam-se ao longo de qualquer hora matinal) são as duas pérolas romanas mesmo ali em pleno centro: o Teatro (vulgo “Siete Sillas”) e o Anfiteatro.
Teatro (Siete Sillas)
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Habitualmente os romanos construíam os recintos de espectáculo fora do perímetro “quadrado”, mas estes dois fugiram à regra, só ficando lá fora o Circo (hipódromo).
Só em 1921 se teve a sorte de descobrir que debaixo de terra algo de grandioso existia. Encostada a uma colina, as escavações deixaram à vista uma plateia gigantesca que suportaria à volta de 6.000 espectadores. Caídos por terra e sem vida, tinham adormecido no braços da Morte colunas e mais colunas de mármore, estátuas e pedras que, depois de organizadas como um puzzle, à semelhança de outros teatros romanos (felizmente cópias uns dos outros), constituem hoje a boca de cena de algo que se adivinha ter sido sublime: 7 por 60 metros. Ainda hoje é sublime apesar de não estar completo, apesar de as estátuas serem réplicas, apesar de tantas poeiras.
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Imagina-se logo um grupo de actores com as suas longas vestes, as máscaras da Tragédia ou da Comédia, o coro comentando na orquestra, os diferentes estratos sociais, até ao topo por ordem invertida já que os escravos se sentavam na última fila – a de cima!
Na colunata, ricas estátuas, um espelho daquele mundo de hierarquias. Na base os homens poderosos do Império; no topo os deuses, mais perto do céu. Entre uns e outros talvez Augusto, mas em vez dele vemos hoje Ceres.
Ceres
A plateia (local das siete sillas que afinal eram uma longa plateia...)
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O anfiteatro impressiona pelas suas dimensões. Apesar dos saques (os árabes por exemplo, aproveitaram muitas das suas “pedras” para a construção da Alcazaba e ao que se sabe, também o povo emeritense , até há pouco tempo, aproveitava para levar algumas pedras para casa), os restos que agora se vislumbram , deixam imaginar o ambiente festivo e tantas vezes cruel que por ali se respirava. Homens contra homens, escravos normalmente; homens contra feras e uma plateia sedenta de luta, de sangue com a desculpa de espectáculo pago por um poderoso que apenas pretendia votos e … poder.
Visitámo-los de dia e à noite, às 19 horas numa visita guiada nocturna deveras interessante e informativa. O frio já apertava, mas de dia o sol deu a sua graça.
Imagem nocturna
Sanitas romanas ao lado da via pública (hoje no recinto do Teatro e Anfiteatro)
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Fora das muralhas, cosido com as traseiras de casas de habitação e seus quintais, vai ressuscitando aos poucos outro espaço de espectáculo, o circo romano, para quadrigas, aurigas, homens e cavalos, apostas e euforia. À volta de 30.000 espectadores sentar-se-iam naquelas bancadas. A amplitude não cabe na câmara (30.00 metros quadrados), o que se vê é pouco, mas o resto imagina-se num esforço intelectual ou visualizando actuais maquetas.
Circo
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Mesmo ali ao lado, moram ainda os restos das Termas públicas, constituídas por piscina de água fria , quente, sauna e campo de jogos. Digam lá se os romanos não inventaram tudo ?!
As termas encostam-se ainda a um dos aquedutos da cidade, o de San Lázaro. Como se vê, nem tudo era prazer, os romanos souberam também dar ao mundo a resolução de questões pragmáticas e indispensáveis, como a o abastecimento de água às suas populações.
Aqueduto de San Lázaro
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Mérida oferece ainda a possibilidade de se penetrar nas mansões romanas. A Casa de Mitreo, já fora de portas, é um belo exemplar de mosaicos e da arquitectura típica, com o seu peristilo, átrio e jardim, termas e piscina!!!
Mosaico da Casa Mitreo
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Maior ainda é a chamada “Casa do Anfiteatro” , mesmo ao lado do dito cujo e que, pela dimensão, leva a crer que seriam duas mansões. Aqui é possível ver ainda pinturas nas paredes, pavimentos quase inteiros sobre temáticas diferentes, o forno, a biblioteca, quartos, salas de refeição…
Tanto uma como outra ainda estão em fase de exploração, quantos mais testemunhos do passado se encerrarão debaixo do manto da terra?
Casa do Anfiteatro : os peixes que afastavam o azar
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Em Mérida, tal como em Évora, ambas cidades Património Mundial da Unesco, de cada vez que se abre um buraco tem de estar presente o olhar atento de um arqueólogo e há sempre outra pedra com outra estória…
Numa outra camada histórica, Mérida revela ainda véus do mundo árabe, a mostrar o encontro de civilizações. A Alcazaba está mesmo ali, ao lado da ponte romana que não deu jeito derrubar, o Guadiana encolheu mas continua lá, ladeado de pistas e relvados amenos e convidativos à prática saudável da caminhada ou atletismo. Mais ao fundo a ponte nova (Lusitania).
Muralha da Alcazaba e Guadiana
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Ponte romana e Lusitania
Mesmo conhecendo um pouco de cada um destes exemplares, não foi possível ver tudo o que não está escondido ao olhar, Mérida tem muito para historiar e encantar.
Até a parte moderna, um pouquito cosmopolita e comercial tem o seu colorido, mais que não seja pela animada Plaza de España, sempre concorrida e animada, especialmente num sábado de manhã.
E, para um autocaravanista, a aventura faz-se com segurança: Mérida oferece, num parque misto, lugares para AC e as comodidades essenciais para quem rola sobre 4 rodas: água e despejos. Não se pode é ter tudo e a quantia a pagar faz puxar de 11.70, cada 24 horas. Juntaram-se lá ainda umas quantas, espanholas, e nós, claro! (N 38º 55’ 07.7’’ W006º 20’ 10.0’’)
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Depois do mergulho intenso em costumes romanos, ficou-nos outra pista para seguir: o teatro romano em Medelín, a 40 Km dali. Fica para outros voos.
Fica ainda a sugestão de outro roteiro, entre Julho e Agosto: o Festival de Teatro Clássico de Mérida, nas “Siete Sillas”.
3 comentários:
Temos boas memorias de Merida. Até porque foi a primeira cidade estrangeira que visitamos juntos.
Bjs
Olá Paula
Obrigada pela sua visita ao meu espaço viajante. Gostei muito de passear por aqui, até porque é sempre agradável recordar Mérida, uma cidade romana fantasticamente preservada, como a sua reportagem comprova.
Bjs
Olá Vagabundos:
Ainda bem que Mérida é também local de amor:)
bjs
Olá Teresa:
obrigada pela sua visita a esta lição de História ao vivo, a qual tem dado bons resultados porque o meu filho - que anda no 5º ano - tem dado provas disso na aula de História e anda também agarrado ao Astérix.
Nada como passear para aprender.
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