domingo, 12 de setembro de 2010

Dia 7 - Veneza, vestida de chuva


O dia acordou com chuva (em pleno Agosto, enquanto no Alentejo estalavam os 40º e no restante Portugal dezenas de fogos!!!).
Ainda esperámos que a dita fugisse para terras portuguesas, que lá é que fazia falta, mas como não foi, munimo-nos de capas, guarda-chuvas e afins e fizemo-nos à Dama.
O bilhete turístico ( preço familiar, adquirido na véspera), inclui o Pallazzo Ducale e outros monumentos da Fondazione Musei Civici Comuna de Venezzia, com chuva, não seriam impedimento.
Escolhemos a Casa Goldoni, decididos a continuar as nossas viagens através do tempo, desta feita mergulhando no mundo da ilusão, revisitando Colombinas e Arlequinos de um dos grandes nomes da commedia dell’Arte. A casa em si ilustra a visita ao interior de um palazzo, espécime que só em Veneza abunda . Para além disso, documenta o percurso biográfico do dramaturgo.


Como se tenta impedir a água de entrar portas adentro...

Chegados à “calle”, o sol espreitava, presente que nos fez alterar o roteiro, para um outro mais amigo do exterior .
Percorrer Veneza tem sempre duas vias: ou nos decidimos a fazer percursos ao sabor das ruas, enredando-nos nos seus braços que nos levam sempre a um outro “campo” (praça) e sempre de surpresa em surpresa; ou então desenha-se um percurso e vai-se seguindo o mapa. Cada uma das opções tem as suas vantagens e desvantagens. Escolhendo a segunda ficamos com uma noção do espaço e identificamos , pelo menos de nome, a variada e sui generis toponímia.


Apaixonados pela escrita acutilante e apaixonante dos romance policiais de Donna Leon, ir reconhecendo alguns dos locais por onde passávamos, levou-nos a piquenicar em Campo San Polo (sim, piquenicar, porque desta vez o farnel veio feito de casa, o segredo agora era procurar, em mercearias locais, sumos que não ultrapassassem o euro, proeza que conseguimos justamente nas proximidades de Campo San Polo). Não encontrando o nosso famoso detective Guido, pudemos no entanto contemplar alguns dos terraços venezianos referidos nos livros da sua autora, quiçá o da casa de Guido e Paola...






Munidos de guia, e depois de tanta fantasia, optámos por uma zona menos concorrida de Veneza: o Cannaregio. Para que entrem no espírito da bela Dama, esclareço aqui que a dita é um arquipélago percorrido ao centro pelo Grande Canale e que se divide harmoniosamente em seis sestieri (bairros), também estes mergulhados em centenas de canais. O Grande Canal separa por meio de apenas duas pontes (Rialto – a mais secular e eleita Património Mundial e a Accademia – mais recente)os sestieri mais a norte dos sestieri a sul.
Para saltar de uns para outros, especialmente quando o Grande Canal se interpõe, só as pontes nos salvam, a não ser que o vaporetto seja a opção, ou para percursos mais pequenos o traghetto, pequeno barco que nos leva à outra margem por 50 cêntimos, pagos directamente ao gondoleiro . Caso se queira continuar a caminhar, como nós, os pés (bem calçados) são a opção certa.



Traghetto S. Sofia


De Campo San Polo ( no bairro do mesmo nome) para Cannnaregio, um dos sestieri menos concorridos por turistas, recorremos pois à sola dos sapatos, com o fim de penetrarmos em mais um pouco da história veneziana, depois de recordarmos outra obra, esta nada policial, mas acesamente polémica e poética: “O Mercador de Veneza”, do Grande Shakespeare. O Ghetto é a zona de Veneza na qual numerosos judeus, desde 1516 a 1797 , viviam confinados, do nascer ao pôr-do-sol, guardados por portões e guardas vigilantes. Seria aqui, neste primeiro Ghetto do mundo (a palavra veneziana “ghetto” provém de uma ilha onde existia uma fundição que fabricava peças para a artilharia da cidade de Veneza, o nome foi depois dado a todos os enclaves judeus em todo o mundo) que viveria Skylock, o “nosso” mercador de Veneza.




Aos judeus era permitido construir casas mais altas do que no resto da cidade , para que daquela zona não saíssem, bem entendido, por isso esta é a zona da cidade na qual os edifícios chegam a ter oito andares, apesar de termos contado apenas o máximo de sete.






Hoje em dia, muitas famílias judaicas ainda vivem na zona, procedendo orgulhosamente a visitas guiadas pelas sinagogas ainda existentes e no Museu hebraico.




Também o Holocaust Memorial ali está para evocar as atrocidades cometidas pelos nazis contra os judeus.




Fosse porque as memórias eram dolorosas, ou porque a Dama queria mostrar o seu lado mais cinzento, o certo é que, a partir do Ghetto Novo, o céu se pintou de negro, e a borrasca caiu-nos literalmente em cima.




Refugiados debaixo de um do tecto de um Sotoportego (beco), imaginámos como seria Veneza com acqua alta. Como era só imaginação e não a realidade invernosa, a dama continuou a atrair-nos...






mesmo assim, encharcados até aos ossos, não tivemos outro remédio senão regressar ao Camping Venezia para secar os trapos...

Sem comentários: