quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Dia 8 - Veneza: depois da tempestade, a bonança


Hoje o dia acordou limpo, azul, esplendoroso!
“Ela podia continuar a impressioná-los (aos turistas), o raio desta velha cidade, e Brunetti, seu verdadeiro filho, com um sentimento de protecção em relação a ela, já de idade tão avançada, sentia uma vaga de orgulho e prazer misturados, e esperava que aquelas pessoas que passeavam por ali pudessem ver e de alguma forma pudessem reconhecê-lo como veneziano puro e portanto, em parte, herdeiro e dono de tudo aquilo.”
(in Morte e Julgamento, Donna Leon)
É assim que Donna Leon se refere ao dualismo venezianos / turistas. Os primeiros vêem as suas vidas reduzidas aos interesses comerciais da cidade que se veste para se alimentar dos turistas, esquecendo-se dos que lá moram; os segundos invadem-na, sujam-na, usam-na como se elas lhes pertencesse, para depois voltarem às suas vidinhas, longe dali.
Este é dos poucos excertos em que ainda luz alguma simpatia no olhar do Guido Brunetti, porta-voz do ponto de vista da autora.
Ao contemplar a Sua beleza, fui certamente turista. Mais uma estrangeira embasbacada, disparando fotos e quase tropeçando nos venezianos, sem os ver.
Por outro lado, quanto invejei os venezianos e percebi o desejo íntimo de Brunetti, porque a impressão causada por Veneza não se repete diariamente, e nunca a poderei abarcar na totalidade porque não sou sua herdeira.
Tentámos na manhã deste 3º dia em Veneza disfarçarmo-nos de venezianos (como se tal fosse possível) percorrendo logo pela manhã (que é como quem diz...) dois dos campos certamente mais belos e vivos da cidade, ambos situados em Dorsoduro: Campo Santa Margherita e Campo San Barnaba.


No primeiro percorremos com os olhos e o olfacto as bancadas de peixe e frutas; no segundo encontrámo-nos frente a San Barnaba com o nosso amigo alentejano António - e “sus muchachas” - que igualmente extasiavam perante tanta beleza, antes de partirem para um cruzeiro pela Grécia, os finórios!
Armados em seguir as pisadas dos venezinos (e Guido Brunetti também o frequenta) fomos logo antes de almoço deliciar-nos com os gelados do café Paolin (em Campo San Stefano, já em San Marco), conhecido pelos seus maravilhosos gelados caseiros. Era verdade, desta vez o minúsculo guia não se enganou!



Pelo caminho , até ponte Accademia, há sempre algo a admirar...







Vista da ponte Accademia




Istituto Veneto di Scienze Lettere ed Arti

E pronto, a partir daqui estragámos tudo, fazendo o que certamente os locais jamais fazem: sentarmo-nos numa gôndola e percorrermos meia hora de exíguos e poucos canais, disparando com ar de parvos fotos atrás de fotos, quais japoneses boquiabertos (Donna Leon está sempre a rebaixar os pobres dos japoneses!).



A "nossa" gôndola

Nós, na dita
Como éra
mos 8, conseguimos uma redução de 10€ e lá vogámos pelas águas, fugindo aos estipulados e consensuais 80€, pagando, portanto, apenas (!?) 70!!! Entrando na pele de turista, é fácil não chorar a choruda quantia, porque pensamos “é uma vez na vida” ,”Veneza é única”, etc. De facto, o passeio é único, porque só no seio daqueles fios de água, é que é possível ver o outro lado de Veneza, lado esse que significa contrastes: opulência, poluição, beleza, salitre e bolor, riqueza, decadência...


Traseiras do Teatro La Fenice
O breve passeio dá ainda lugar a enfiarmo-nos pelas águas mais largas e agitadas do Grande Canal, penetrando na confusão aquática do sui generis tráfego, e admirando a riqueza das fachadas dos palazzos , como o hotel mais rico de Veneza ou, lá longe, a casa de Peggy Guggenheim, nos nosso planos de visita.



O hotel mais caro de Veneza



O tráfego no Grande Canal



Dali, quer queiramos quer não, todos os caminhos vão dar a San Marco.
“Os pombos, normalmente estúpidos e odiosos, pareciam-lhe (a Brunetti) quase encantadores, quando se sarcoteavam aos pés dos seus inúmeros admiradores (os turistas)” (ibidem)



E, uma vez em San Marcos, para além de fazermos como os demais e chocarmos com os pombos, também decidimos fingirmo-nos clientes do café mais caro da praça e da cidade: o Florian.
“Ele subiu os três degraus baixos e atravessou a porta de vidros duplos e trabalhados do Florian”. (ibidem)







Se Guido e Barbara ainda lá beberam um café, no tempo das liras- hoje 6,50€ - nós ficámo-nos por atravessar a porta de vidros, admirar as salas e eternizar o momento nas câmaras, gozando ainda da música que saía do pequeno palco acetinado da esplanada.


O resto do dia não chegou para tanto contemplar , tanto querer conhecer. Aliás, se muitos turistas consideram que as férias são sinónimo de descanso, eu partilho da opinião do meu colega LSeco, autor de “Fotoviajar”: viajar é sempre um stress, porque o tempo não chega para abarcar tanta coisa.


Veneza pode ser um stress, porque a cabeça gira a tudo querer ver, querer conhecer e às tantas os pés recusam-se a caminhar.
Este dia foi assim, repleto de emoções de cantos e recantos, gente, sol, beleza, cansaço com um sorriso nos lábios, sofrimento prazenteiro e masoquista...



“Hard Rock Café” para um café depois do almoço.




Visita à Biblioteca Corrier, Rialto e zona comercial, Canarregio, Fondamenta Nuove, Campo San Giovanni e Paolo...












Em cada "CAmpo" há sempre um poço, verdadeira obra de arte



....voltas e mais voltas nos enredados fios de ruas e canais venezianos.






A piazza de San Marco preparava-se para uma passagem de modelos a decorrer à noite, mas o cansaço venceu-nos uma boa meia hora antes e declinámos o convite do município.
Amanhã há mais, há momentos em que tanta beleza também cansa...


3 comentários:

António Resende disse...

Caso eu fora professor ou jornalista, também descreveria assim as minhas visitas... como não sou, nem uma nem outra coisa... digo apenas que para além de ter gostado da prosa, vi também lindas fotografias.
O meu abraço da Croácia em autocaravana...
Antonio Resende

Paula Vidigal disse...

Sou professora, mas preferia muito mais ser jornalista... muito obrigada pelas suas palavras, foram até hoje, não sei porquê, do melhor que me escreveram.
Que a sua Croácia seja também inesquecível.

viajantedecasascostas

Barcelona Expedition disse...

Nada como as vezes colocar os pés na agua para esfriar o calor de tanto peso que deve ser levar as casas a costas, hehe....

A foto da gondola está bonissima...mas nao comparto alguns comentários, como "viajar é estress", ao final que se estressa é o homem nao a viagem...vemos o que podemos, e o que nao podemos é porque nao tinhamos que ver dessa vez...sempre tem uma segunda vez para tudo, nao?!

adeu palita...mas sorte contra os roubos...sinto por Barna, aque é f... mesmo.