sábado, 22 de outubro de 2011

A nossa "quinta" em Belém



Costumamos dizer à laia de brincadeira, que a nossa “quinta” em Lisboa é vizinha da do sr. Presidente. Sim, esse mesmo, o da República, o Aníbal, o Cavaco, o do palácio cor de rosa, ao lado dos pastéis de Belém.
A nossa quinta é aqui (até quando, se ele o souber?) e a dele, em linha reta, já ali.




Este mês, como que para celebrar a República e a boa vizinhança, demos um salto à mansão cor de rosa do tio Aníbal, não sem antes passarmos pelo Museu da Presidência. Este foi inaugurado no tempo de outro, o Sampaio, em 2004, e nele se guardam memórias, prendas de Estado, protocolos e visitas e ainda retratos desde Manuel de Arriaga a Sampaio, porque de Cavaco ainda não há registo, apenas um espaço em branco na parede do 1º andar.

O Museu é só isto, vejamos a casa por onde todos os presidentes passaram. Antes de mais, é preciso esclarecer que esta nem sempre foi palco de presidentes, aliás, por algum motivo se chama Palácio de Belém, porque foi isso mesmo esde o início, um palácio, em Belém, à beira Tejo erguido. Inicialmente propriedade de Manuel de Portugal (amigo de Camões), em 1726 passou para as mãos da corte portuguesa e é incrível que tenha sido a República, aquela que derrubou a Monarquia, a fazer dele a sua residência, sede ou sala de trabalho. Creio que o facto se explica porque a qualquer presidente do mundo se prestam honras de Estado na esteira do beija-mão ao trono real, deve ser uma tendência natural do ser humano, desde os contos de fadas e princesas, de se identificar com reis, princesas e afins. A psicologia deve explicar o fenómeno melhor do que eu.

Conscientes dessa obsessão fantasiosa, o 1º presidente negou-se a fazer dele sua residência e sede (e até pagava 100 escudos mensais de renda), daí só em 1912 passar a “Palácio “ da República. É claro que Salazar decidiu mudar-se para lá de armas e bagagens. Já o nosso Aníbal, para não ser nem tanto ao mar nem tanto à terra, decidiu continuar na sua residência e fazer do palácio apenas o seu local oficial de trabalho. Não percebo é porque, se assim o é, um mero local de trabalho, arraste consigo tanto séquito (=salários) num espaço que afinal até não é muito grande: GNR, funcionários do Museu, guardas da Presidência, cozinheiras e sabe Deus quantos (eu vi pelo menos 5 ou 6) funcionárias zeladoras das paredes de Sua Excelência.
D. João V (no Museu nacional dos Coches)
Fora estas considerações, apenas poderei, no entanto, divulgar os jardins, a varanda frente às salas centrais – com a perspectiva contrária, mostrando os “vizinhos” autocaravanistas (!!!) – porque na visita guiada de um domingo de outubro, por questões de segurança, não são permitidas fotografias.
 O outro lado da "quinta"

 "- Hello!!!"- diz-nos o Sr. Presidente todas as manhãs.

Fora de críticas à regência e à república, e tentando esquecer onde são gastos os dinheiros públicos, enquanto exemplar arquitectónico e artístico, a visita guiada de uma hora e pouco, até se revelou simpática e instrutiva.
Passo a ilustrar sem fotos:
Logo à entrada a Sala das Bicas com as cortinas azuis de veludo e o emblema pátrio (igual ao da Monarquia mas sem a coroa…) e os azulejos e o chão axadrezado tão conhecidos dos ecrans televisivos. Antes de ser sala era um pátio aberto - daí as bicas – agora é espaço interior de receções e comunicações ao povo. Depois é a sala de jantar com a mesa sempre posta, para nos mostrar como os grandes convivem e ceiam em porcelana Vista Alegre de monograma real, talheres de pratas, baixelas… e janela com vista para a minha “quinta”. A seguir, a Sala Império e ao lado, na capela em forma de corredor erguida por el-Rei D. João V, a controversa obra de Paula Rego, “O ciclo da vida da virgem”, por encomenda do anterior Presidente. Vá lá, a inusitada pincelada da artista sempre escarnece do politicamente correto na casa de sua Exc.. à falta de a poder fotografar, exibo aqui apenas um estudo fora da dita capela:


Depois, a Sala Dourada, a dos Embaixadores e finalmente a ala de D. Amélia, agora ala do Presidente. É verdade ou não é que continuam as fantasias reais? Aliás, o quarto de D. Amélia é agora o gabinete oficial de S. Excª. Lá está o sofá mediático e a mesa das quintas-feiras quando recebe o “nosso” 1º.
Voltamos ao exterior e são os jardins à moda de Versailles tão ao jeito do megalómano D. João V. Nas traseiras e pátio, as jaulas das feras (desde leões a outros animais exóticos, incluindo provavelmente raros pretos albinos, para delícia de S. Majestade, a rainha D. Amélia e sua corte), e os jardins também de D. Amélia nos quais se engaiolavam as suas colecções de aves exóticas.



O retrato pode ser irónico, maldizente, amargo. É fruto dos tempos e da parcialidade de quem não consegue deixar de pensar que o mundo sempre foi um esbanjamento de riqueza, um desfile de superficialidades, um “circo de feras” onde quem reina é o domador.

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