terça-feira, 17 de setembro de 2024

Simplesmente Praga

 

Falar de Praga e não a adjetivar deve ser tarefa impossível (ainda não falei dela e já um corre na linha). A ideia é não repetir toda a tinta desenhada e impressa sobre uma cidade que é o roteiro…  – ups! ia deslizando um adjetivo - certamente, de muitos e muitos viajantes.

Antes de mais, talvez tenha de beber o cálice da musa História.  Praga teve os seus esplendores enquanto cidade, assim comos os seus tempos de crise. Uns porque conseguiu períodos de apogeu, como no reinado de Carlos VI, outros porque caiu nas malhas apertadas do jugo de outros, primeiro com os ocupantes nazis depois com o comunismo.


Agora, e depois da “revolução de Veludo”, curiosamente mais pacífica do que a portuguesa porque lá, sim, não se registaram mortos, os tempo são outros e o país já não é a Checoslováquia, nem tão pouco a República Checa, passando a ser recentemente apenas Chéquia.

Depois de vivenciar tragédias, com assassinatos entre irmãos (Venceslau qual Caim nas mãos de seu mano Boleslau por uma questão de poder);  João Huss queimado vivo, por querer reformar a igreja; o jovem estudante Palach que, na demanda pela luz da liberdade ateou fogo a si mesmo; já para não falar de centenas e centenas de judeus enclausurados no gueto, aprisionados e comidos em fornos de campos de extermínio como o de Terésin, a poucos quilómetros de Praga; Praga é agora um melting pot de estórias, culturas e povos, arquitetura e sempre, sempre um cenário que dispensa mais apresentações.

Para nós, apesar de já termos lido todas as valorativas adjetivações, de termos visto imagens e vídeos do mais fotogénico, o que, consequentemente, nos fez sonhar anos a fio com a ponte Carlos VI, o relógio astronómico ou o empedrado das suas ruas medievais, etc, foi o baque especial e inaugural da visão da estação ferroviária central que nos fez sentir na pele: ISTO é OUTRA COISA!

 

Vindos da grandiosidade da imperatriz Viena, soubemos logo ali, no entanto, que em Praga tudo ia ser superior (Mea culpa, adjetivei!!!)

A presença da Arte Nova começou ali, na estação Masarykovo nádrazi, para, felizmente nos perseguir ao longo de quatro dias.





A cidade assenta naquela estrutura quase natural que contribui para a sua beleza, um rio (e canal), a dividir a Cidade Velha e Nova do bairro Pequeno e castelo.  Tal como Viena, cada zona é um distrito numerado, sendo o seu coração centro basicamente o número 1.

O rio Vltava tem os seus declives e até eclusas, e é sempre uma animação, quer pelos barcos e cruzeiros de todo o tipo, qual Veneza (para não destoar também tem uma “petite Venice”), quer pelas pontes pedonais e outras e ainda as ilhas e ilhotas que constituem centros naturais para relaxe e outras atividades. Ah! E com direito a encontros imediatos com aquele bichinho… a nutria.

 




A ponte Carlos VI, o grande homenageado da cidade, é ligação entre o castelo e a Cidade Velha e é por ela que outrora passavam os desfiles régios e agora o constante corrupio de turistas e artistas que se alojam no empedrado da via e muro coroado pela santa e eclesiástica estatuária.






A rua Karlova, uma “descendente” do amado imperador, é mais uma Via Real a percorrer para o êxtase dos olhos graças à arquitetura, umas vezes gótica outras renascentista. 



É essa via (na Cidade Velha) que nos leva, numa direção, até à ponte e, na outra , nos conduz,  pelo labirinto de ruas e praças, até à “joia da coroa”: a Praça da Cidade Velha. Aqui os olhos dificilmente se adaptam a tanta beleza diversificada, uma vez que o conjunto Monumental precisa da maiúscula para o designar. Na Praça encontra-se o monumento a João Huss, símbolo da integridade e à sua volta inúmeros palácios e casas ricamente decoradas nos seus estuques; a igreja de Tyn, curiosamente escondida atrás de dois palacetes. A uns metros, a Antiga Câmara Municipal colada a outros edifícios góticos e renascentistas e a um dos ex-libris da cidade, o famoso relógio astronómico, suprassumo do design e da ciência relojoeira, que levou a mais uma tragédia local: o seu mestre relojoeiro, Hanus, foi mandado cegar para que o segredo da sua obra-prima não fosse divulgado. 



Monumento a Huss

 


Câmara antiga 


Deste lado do rio,  situa-se o Bairro Judeu (Josefov), outrora gueto, agora Josef, onde se podem visitar (mediante pagamento) várias sinagogas, como a Espanhola ( assim chamada por se inspirar no Alhambra espanhol), a Maisel  e a Pinkas (a segunda mais antiga, memorial aos judeus checos mortos no Holocausto ), a antiga-Nova Sinagoga, na qual, segundo reza a lenda, está encarcerado o Golem – uma figura de barro criada pelo rabino Löw , a qual ganhou vida e  ficou na história como o 1º protótipo robótico.

 


Sinagoga espanhola


Pinkas 

Sinagoga Antiga - Nova

O antigo Cemitério judeu é outro ponto visitável. Este, erguido a   vários metros do chão, para que coubessem os seus 100 0000 corpos sepultados, em mais de 12 camadas em altura, mostra uma arquitetura bizarra (o adjetivo é propositado!) formada por lápides, quais corpos de granito apinhados .

Depois de demolido o gueto, nas imediações, nasceram alguns dos mais belos exemplares de casas estilo Arte Nova e curiosamente, um exemplar da arquitetura cubista, um estilo que não saiu para o resto da Europa, devido à Grande Guerra. 


Outros marcos importantes deste lado da cidade, seja a Velha ou a Nova, aos quais é impossível fugir:

- A Ópera, visível de muitos e diversos ângulos; os bares, os clubes de jazz, os teatros…a Casa Dançante, e os museus (o do Comunismo. Museu Mucha, Museu de Ilusões, Museu de Alquimia…, só para falar de alguns mais invulgares).


Ópera



                                                                   
                                                                    Casa dançante


Do outro lado do rio o Castelo, fundado no séc. IX, um vasto complexo artístico, formado por um palácio, três igrejas, um mosteiro e ainda a intitulada Travessa do Ouro, devido aos ourives que ali viveram no século XVII.


Vista do Castelo

Todo o exterior merece uma visita, para o interior dos edifícios é necessário comprar bilhete para as várias atrações.

Catedral de S. Vito – símbolo da cidade, com o seu par de flechas gémeas, a sua rosácea e gárgulas imponentes – foi o local do assassinato do rei Venceslau.



Palácio Real – sede dos príncipes da Boémia, com o imponente Salão Vladislau, constituído por um tribunal real semelhante a um mercado público.

Rua do Ouro – com entrada gratuita a partir das 18 horas, mas sem acesso às pequenas casas coloridas, atualmente lojas de artesanato e pequenos museus ilustrativos de tipos profissionais, como a curandeira Matylde, o ourives e o sapateiro.








A pequena rua é muito estreita e curta e o seu charme advém disso mesmo. (Mais estreita, em Praga, é a “rua” com direito a semáforo, que na realidade é o acesso a um restaurante😊)!



Na Travessa do Ouro encontra-se também, no nº 22, a casa de Frank Kafka, moradia do escritor durante alguns meses entre 1916-17.

Aos pés do Castelo, em Malá Strana (Bairro Pequeno), a vida corre mais pacata e silenciosamente e de lá é possível admirar as vistas para o rio e para a cidade velha.



Atravessando a ponte Legií, ao fundo da avenida, deparará com o Monumento ao Comunismo, um grito de ferro contra a anulação do ser humano.



A uns metros poderá subir até ao topo do monte Petrin, no funicular, e ver o outro lado de Praga.  Caso não vá deslizando, os pés levá-lo-ão a um imenso espaço verde em socalcos, amigo dos piqueniques e de uma boa sesta ao sol ou à sombra, conforme os gostos e o tempo.


Atravessando a ponte Carlos VI, a experiência é outra: esta é pedonal, artística e concorrida. Tirar uma foto sem turistas possivelmente só de madrugada…

É no Bairro Pequeno que encontrámos o Pomar das Carmelitas. Não é assim o nome, chama-se parque Vojan, mas é assim que gosto de lhe chamar, pois no século XVII tratava-se mesmo do pomar daquelas religiosas.  Está escondido entre muros altos e é mesmo um pomar. Ficámos lá a relaxar várias horas, sobre as ervas e sob as macieiras, pereiras, nogueiras…


Praga consegue ser quente em agosto e os 32 º ao sol provocavam a sensação de 36. Os cidadãos praguenses não lidam bem com o calor, isto é, os seus métodos refrescantes contra a canícula resumem-se a ventoinhas e  leques . Perto do Pomar, pode visitar o Museu-Casa Frank Kafka e divertir-se com as curiosas e irreverentes esculturas do checo David Cerny. Ali, a escultura “Streams “, traduzida por “  Xixi” ,dois homens que urinam para o mapa da Chéquia e cujos pénis não só se elevam, como desenham  mensagens. Não vimos a proeza.

Também deste lado da cidade, no jardim Kampa, qual jardim infantil, brincam bebés (“Miminka”), com códigos de barra em vez de rostos. A interpretação fica a vosso cargo…

Nem sempre David Cerny está deste lado. Do outro,  também está a rotativa cabeça de Kafka. (Não se esqueçam que o famoso autor de A metamorfose é checo e praguense).



E ainda as borboletas-avião, na fachada de um centro comercial, e a irónica estátua “O rei Venceslau e o cavalo Morto”, na galeria Lucerna.




E no aeroporto, Pegasus, para se despedir dos viajantes.



Mas ainda não é hora de voar… Antes disso deixo algumas sugestões:

. Em vez de alugar os serviços de um barco, opte por um passeio de gaivota, muito mais divertido e económico (obrigada, Ema, pela dica!).




. Em “Roma, seja como os romanos”, por isso não deixe de beber uma cerveja checa (o país é forte na sua confeção), num Biergarten. Vá até Lethó Park, numa das colinas da cidade, refresque-se, deguste uma salsicha e admire as vistas ao pôr-do-sol.

 


No entanto, o melhor pôr-do-sol é em Riegrovysady, na cidade velha, contemplando o disco laranja a esconder-se por detrás da catedral de São Vito. Leve piquenique e misture paladar com visão (obrigada, Ema, novamente!).



. A oferta gastronómica da cidade é variada. Não sendo fãs de comida quente na canícula, dispensámos os tradicionais goulash e gelado frito, mas experimentámos cozinha vietnamita e mediterrânica, para além das salsichas locais, evidentemente. E babámo-nos só de contemplar a doçaria. Na pastelaria Saint-Tropez, por exemplo.

. Aloje- se na zona 1, assim, facilmente percorrerá os locais mais emblemáticos a pé.

No entanto, o sistema de transportes é eficiente e possibilita uma outra visão da cidade. Em vez do tradicional Hip and hop, compre bilhete 24 horas (5 €) e use o elétrico vermelho.


. Informe-se sobre a oferta cultural. Praga é a cidade das marionetas e do teatro negro.

Um bocado às cegas ou induzidos pela publicidade na Internet escolhemos o espetáculo Antologia e ficámos desiludidos.

Um espetáculo de jazz é outra possibilidade, no Café Central por exemplo.                 

. Procure visitas guiadas “grátis” na Guruwalk, a diversidade e temática são variadas. O nosso guia (Jeremy) regou-nos com uma boa lição de História, temperada com sentido de humor. Revelou-nos que os checos não são rudes por serem rudes, é apenas porque estão chateados com a vida deles.

Desconheço como seja Praga sem tantos turistas. Provavelmente nunca o é, em estação alguma. Desconheço como será sem calor, ou como será com neve…, mas gostaria de saber.

Afastei-me do propósito de não adjetivar? Termino com dois verbos: adorámos e voltaremos.