quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Comboio com ninfas à mistura


A propósito de Noruega, já falei de fiordes e cascatas , de viagens por estradas com vistas deslumbrantes e de ferries que deslizam insonoramente sobre fiordes de sonho. Falta falar de outras viagens -  de comboio - e de outras cascatas líquidas e sonoras.




Para quem quer percorrer a distância Fläm- Myrdal, pode fazê-lo ou a pé, ou  de bicicleta ou de comboio. A  meio do percurso pode deleitar-se com a cascata Kjosfossen , a qual  reserva, no verão, ainda uma outra surpresa...

Há muitos, muitos anos, chegar a Myrdal seria um longo percurso por subidas íngremes e ventos glaciais, porém, em  1941, depois de 20 anos de construção, escavando cada metro à mão, inaugurou-se o primeiro comboio que permitiu  unir pessoas e localidades. A  passo de caracol, demorando um mês para escavar um metro de túnel,  o homem conseguiu mais esta proeza, documentada no Museu Carril em Fläm (entrada gratuita) e vivenciada num percurso relaxante de comboio, com as vistas mais incríveis.




A meio do percurso o comboio para e os passageiros podem admirar a cascata Kjosfossen e deleitar-se com    a surpresa visual e musicada a dar vida a mais um mito. Desta vez não será um troll obeso e narigudo, mas uma elegante dama vestida de vermelho, dançando no seio da paisagem, ao som de uma música etérea a ecoar pelas montanhas. A dama de vermelho, é a ninfa Huldra, aquela que encanta os homens viajantes. E a avaliar pelo resultado, as mulheres também…





domingo, 18 de setembro de 2022

Justice4Grenfell *

 

Notting Hill não é só o filme com o mesmo nome ( Julia Roberts e  Hugh Grant,   lembram-se?) e  não é só o seu carnaval de agosto (que muitos desconhecem). Notting Hill é também a zona conhecida pelo mercado alternativo de Portobello Road, porém, mesmo ali ao lado, ergue-se a terrível memória de uma  tragédia: o dantesco incêndio da Torre de Grenfell, em junho de 2017.


                                                         

O mercado continua lá todos os sábados com roupas vintage, artesanato, frutas e legumes,  pessoas cheias de vida.




 

 Portobello Road também, com as suas lojas curiosas,  as suas cores amistosas,  as evocações de arte, vida e mais vidas.



 



 

O  filme com o mesmo nome continua a ser  evocado nos cartazes,  na porta azul  simultaneamente fotografada  e vandalizada,  na livraria apetecivelmente concorrida.






Também as ruas vizinhas ao mercado formadas por mansões brancas e coloridas e os seus mews (edifícios usados , no passado, como cavalariças; hoje zonas de habitação altamente inflacionadas) singulares e isolados,  como pacatas aldeias no meio da confusão da rua cosmopolita. E, pasme-se ou não , ainda lojas portuguesas a recordar a pátria!




Mew em Portobello Road

 





Interior Lisboa Delicatessen

 Porém, nem tudo respira alegria e vida. Ao lado de tudo isto,  ergue-se na vizinhança  o esqueleto branco  da tragédia , embrulhado em plástico, onde um incêndio devastador, a começar num frigorífico de uma habitação e alimentado pelo material inflamável do isolamento exterior, causou a morte de 72 pessoas.  A torre de 24 andares - Grenfell - integrada em North Kensington Council,  continua a assombrar a zona e a clamar por Justiça.


 

Grenfell Tower 

Para quem caminha de olhos colados ao chão,  a tragédia continua a  lembrar, em muitas línguas,  a justiça não cumprida.




 

Para quem olha em frente ou para o céu,  verá o coração da Torre  embrulhada, a bater com esperança de que  a história não se repita.(Para outros há ainda o Memorial Wall, mais um muro das lamentações que nunca poderão ser saradas). 

Desde 2017 espera-se  uma decisão que contemple o que fazer com a Torre.  Continuar erguida até que a justiça se cumpra,  ou demolir para se esquecer?

 

*   https://justice4grenfell.org/about/


 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

O Fiorde dos sonhos

 

É impossível ver e estar em todos,  em 1000 fiordes  noruegueses estar no Geiranger e no Sognefjord (Fiorde  dos sonhos),  é já conseguir realizar  sonhos.

Se  no primeiro  se desliza num imenso ferry, um  Golias a engolir carros , autocaravanas e autocarros;  no segundo  apenas entram passageiros.  Trata-se de um barco recente,  da companhia “The fjords”,  que se move a eletricidade e carrega espantosamente em 15 minutos! O seu design é moderno, confortável e de incrível bom gosto.



O  percurso inicia-se em Fläm,  cidade porta de embarque para cruzeiros  pequenos e grandes,   ali  iniciados  ou noutras partes do mundo.




O Fiorde honra o seu nome  e o passeio, o qual, ao longo de 2:00 horas,  mesmo com chuviscos e  algum vento frio em pleno julho (!),  deixa os passageiros extasiados com a beleza envolvente,  e com a harmonia  equilibrada entre homem e natureza. 



Casas simples e coloridas .



Rastos suaves

Olhares que pasmam


Casinhas com janelas no fiorde e na montanha


Passeios a remos


Casinhas sem poluição

O “sonho” tem 204 km de comprimento  e 1300 m. de profundidade.

Esperando que a onda não chegue

 

 

Pensamos que controlamos a natureza,  mas é o inverso, apenas a descontrolamos.

Em 1905, uma derrocada de um pedaço da montanha Ramnefjellet, na Noruega, provocou um  tsunami  que levou à frente aldeias  e suas respetivas vidas.  Em 1934,  a mesma montanha voltou  a ouvir-se e a  tragédia repetiu-se:  uma derrocada de mais de 700 metros de altura provocou três ondas com mais de 60 metros de altura.

 Esta realidade foi ficcionada no filme "A onda", o qual  projeta o incidente  mudando o cenário para a vizinha Geiranger.


 

 Vale de Loen, Noruega

  A Igreja de Loen  presta homenagem  às vítimas do incidente  num  Memorial que olha o vale. Os nomes nele gravados deixaram de ver há muito, alguns deles bem precocemente…





O Homem espera que a história não se repita, inventa estratégias preventivas, mas ele mesmo considera que o mesmo Homem também contribui para a agitação da montanha,  a qual um dia voltará a rugir e a história voltará a repetir-se  com a chegada de Nova Onda, enviada pela montanha como que a dizer, “Aqui estou eu, não me esqueci”. Poderá suceder  novamente na Noruega,  como em qualquer lugar do mundo,  como em qualquer lugar perto de nós…

 

Esperando que a escada não nos leve ao céu, mas que apenas seja adereço na natureza... 

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Ser-se fiorde

 


 Para se ser Fiorde é necessário um canal por onde entre a água do mar; uma estrutura de costa terrestre, como um vale; agentes erosivos;  movimentos tectónicos e degelo.

A Noruega possui estes ingredientes e, por isso, cerca de 1000 fiordes!

Para além deles, ainda lagos que não o são mas parecem, rios que são rios e outros degelo,  cascatas e quedas de água,  o que faz, visto de cima, um país que se assemelha a uma renda com muitos pontos abertos em azul, verde esmeralda e branco ( do alto das montanhas a água cai como leite).

De Lillihammer  a Geiranger  são ainda cerca de  300 quilómetros de carro, por isso ver o Geirangerfjord, primeiro da nossa lista,  ainda levará o seu tempo. Até lá, os olhos deleitar-se-ão com os elementos verdes dos pinheiros e abetos- a árvore nacional -  e mais tarde com as primeiras pinceladas do branco, da neve que persiste lá no alto.



a árvore nacional

Cruzar-se-á  o Vale de Gudbrandsdalen, fonte de inspiração para Henrik Ibsen,  com a sua lenda de Peer Gynt,  o jovem sonhador,  que quis ir mais longe do que as regras exigiam, e  musicado por Edvard Grieg, filho da terra também muito presente nesta viagem.

 


Em Lom, a primeira paragem para apreciar a música da água  que cai violentamente das altas montanhas,  e para se conhecer uma das igrejas mais antigas do país, a Lonestave, com a sua construção em madeira,  mantendo ainda a crista medieval com uma cabeça de  dragão.



cascata em Lom



 Lonestave

 



De Lom a Geiranger, segue-se pela  Estrada das Águias,  uma “estrada para se ir sentindo”, vendo  as primeiras pinceladas de neve e os telhados de turfa; as autocaravanas sempre omnipresentes e os parques para as mesmas; os caminhos sinuosos até ao vale.



camping







Geiranger assenta no vale , cercada de montanhas e é porta de entrada para o Fiorde com o mesmo nome.  A povoação vale uma breve visita e foi cenário do filme “A onda” , ficção baseada em factos reais que viríamos a conhecer dali a poucas horas no vale onde se situa a povoação de Loen.



Geiranger vista do alto




Troll, mais uma lenda ex-libris





Para chegarmos até lá, há que entrar na boca do ferry que nos levará a percorrer o Geirangerfjord , classificado como património da humanidade pela UNESCO.


Deslizamos suavemente , cercados de montanhas com paredes que parecem caras e até com cascatas que contam histórias como “as sete irmãs”,  aquelas que se recusaram a casar e foram cortejadas pelo monte em frente, o qual, com o desgosto  de se ver incorrespondido,  afogou as suas magoas no álcool e ali reside condenado a chorar em forma de garrafa contemplando as Sete altaneiras irmãs.



Geiranger fica para trás





As sete irmãs



O apaixonado


Ali, dentro do fiorde, a força da natureza é tão sublime que quase se sente respirar e questionamo-nos como é possível o homem ter tentado ali habitar, se não sabia de antemão que é Ela sempre que nos controla?!

( na barriga do fiord)