terça-feira, 25 de outubro de 2022

Bruxas , mortos e outros que tais (incluindo os vivos)

 

 

“Não acredito em bruxas, mas que as há, há”.  Eis uma frase por aqui muito badalada, a qual eu não proferia, mas depois daquele um de novembro fatídico em que ia  perdendo um dos meus filhos,  passei a repeti-la.

   


Também nunca simpatizei com o Halloween, embirração provavelmente preconceituosa de quem embirra múltiplas vezes com tudo o que é americano, porém, por outro lado, máscaras  e adereços,  dada a veia teatral,  sempre me atraíram.  Assim, o Halloween, também conhecido por dia das bruxas e associado ao dia dos mortos ou de finados, fica ali num território híbrido difícil de objetivar.

Mas aqui vai:  a data aproxima-se e decidi recordar algumas memórias felizes,  vividas em Londres.

 Não me maquilhei,  não vesti trajes a rigor; fiquei-me pelas vistas de uma decoração primorosa  de quem leva as coisas a sério.

 



em Hampstead

 




Por outro lado, fiz, em anos diferentes,  duas visitas fantásticas à urbe londrina,  sempre variada e excêntrica.

Uma  delas,  foi a visita a Columbia Road Market   onde se comemorava  o dia dos mortos,  tradição mexicana  com raízes  folclóricas muito mais criativas  e que, na minha cabeça, faz muito mais sentido.  Ali, os mortos são homenageados pelos vivos, porque recordá-los é não apagá-los e, claro, não podia deixar de ser,  a figura ímpar  da querida Frida Kahlo,  tinha de estar presente.








 

Outra delas foi a visita ao cemitério de Highgate, não pelo espírito macabro que me pudesse comandar, mas pela curiosidade de visitar um espaço que é também arte arquitetónica.  Não era a única, mesmo tendo de pagar bilhete, havia muitos certamente como eu.  Ali se encontram campas e túmulos góticos,  de filmes de terror como já ali se filmaram,  e as marcas do tempo  e da natureza  mais fortes do que o homem.




O camarada Karl Marx, frequentes vandalizado, naquele dia estava limpinho.






Curiosamente, afinal há sempre alguém macabro o q.b., não só para  visitar o espaço em visita guiada,  vestindo rigorosamente estilo gótico,  como quem habite  dentro do espaço murado do cemitério,  com vista privilegiada para as campas.  Refiro-me a uma vivenda, tipo casa-cubo,  certamente milionária,  de três pisos,  cujas paredes são  vidros abertos  para o exterior,  e em cujo interior  pude contemplar um quarto,  um piano ,  um mini ginásio e os seus dois habitantes  na sua vida quotidiana e mundana.  Obedientemente não tirei fotografias.

 

 Deixo-me, pois, de preconceitos,  crendices e  outros comportamentos que tais.  A morte faz parte da vida,  ponto final.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Comboio com ninfas à mistura


A propósito de Noruega, já falei de fiordes e cascatas , de viagens por estradas com vistas deslumbrantes e de ferries que deslizam insonoramente sobre fiordes de sonho. Falta falar de outras viagens -  de comboio - e de outras cascatas líquidas e sonoras.




Para quem quer percorrer a distância Fläm- Myrdal, pode fazê-lo ou a pé, ou  de bicicleta ou de comboio. A  meio do percurso pode deleitar-se com a cascata Kjosfossen , a qual  reserva, no verão, ainda uma outra surpresa...

Há muitos, muitos anos, chegar a Myrdal seria um longo percurso por subidas íngremes e ventos glaciais, porém, em  1941, depois de 20 anos de construção, escavando cada metro à mão, inaugurou-se o primeiro comboio que permitiu  unir pessoas e localidades. A  passo de caracol, demorando um mês para escavar um metro de túnel,  o homem conseguiu mais esta proeza, documentada no Museu Carril em Fläm (entrada gratuita) e vivenciada num percurso relaxante de comboio, com as vistas mais incríveis.




A meio do percurso o comboio para e os passageiros podem admirar a cascata Kjosfossen e deleitar-se com    a surpresa visual e musicada a dar vida a mais um mito. Desta vez não será um troll obeso e narigudo, mas uma elegante dama vestida de vermelho, dançando no seio da paisagem, ao som de uma música etérea a ecoar pelas montanhas. A dama de vermelho, é a ninfa Huldra, aquela que encanta os homens viajantes. E a avaliar pelo resultado, as mulheres também…





domingo, 18 de setembro de 2022

Justice4Grenfell *

 

Notting Hill não é só o filme com o mesmo nome ( Julia Roberts e  Hugh Grant,   lembram-se?) e  não é só o seu carnaval de agosto (que muitos desconhecem). Notting Hill é também a zona conhecida pelo mercado alternativo de Portobello Road, porém, mesmo ali ao lado, ergue-se a terrível memória de uma  tragédia: o dantesco incêndio da Torre de Grenfell, em junho de 2017.


                                                         

O mercado continua lá todos os sábados com roupas vintage, artesanato, frutas e legumes,  pessoas cheias de vida.




 

 Portobello Road também, com as suas lojas curiosas,  as suas cores amistosas,  as evocações de arte, vida e mais vidas.



 



 

O  filme com o mesmo nome continua a ser  evocado nos cartazes,  na porta azul  simultaneamente fotografada  e vandalizada,  na livraria apetecivelmente concorrida.






Também as ruas vizinhas ao mercado formadas por mansões brancas e coloridas e os seus mews (edifícios usados , no passado, como cavalariças; hoje zonas de habitação altamente inflacionadas) singulares e isolados,  como pacatas aldeias no meio da confusão da rua cosmopolita. E, pasme-se ou não , ainda lojas portuguesas a recordar a pátria!




Mew em Portobello Road

 





Interior Lisboa Delicatessen

 Porém, nem tudo respira alegria e vida. Ao lado de tudo isto,  ergue-se na vizinhança  o esqueleto branco  da tragédia , embrulhado em plástico, onde um incêndio devastador, a começar num frigorífico de uma habitação e alimentado pelo material inflamável do isolamento exterior, causou a morte de 72 pessoas.  A torre de 24 andares - Grenfell - integrada em North Kensington Council,  continua a assombrar a zona e a clamar por Justiça.


 

Grenfell Tower 

Para quem caminha de olhos colados ao chão,  a tragédia continua a  lembrar, em muitas línguas,  a justiça não cumprida.




 

Para quem olha em frente ou para o céu,  verá o coração da Torre  embrulhada, a bater com esperança de que  a história não se repita.(Para outros há ainda o Memorial Wall, mais um muro das lamentações que nunca poderão ser saradas). 

Desde 2017 espera-se  uma decisão que contemple o que fazer com a Torre.  Continuar erguida até que a justiça se cumpra,  ou demolir para se esquecer?

 

*   https://justice4grenfell.org/about/


 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

O Fiorde dos sonhos

 

É impossível ver e estar em todos,  em 1000 fiordes  noruegueses estar no Geiranger e no Sognefjord (Fiorde  dos sonhos),  é já conseguir realizar  sonhos.

Se  no primeiro  se desliza num imenso ferry, um  Golias a engolir carros , autocaravanas e autocarros;  no segundo  apenas entram passageiros.  Trata-se de um barco recente,  da companhia “The fjords”,  que se move a eletricidade e carrega espantosamente em 15 minutos! O seu design é moderno, confortável e de incrível bom gosto.



O  percurso inicia-se em Fläm,  cidade porta de embarque para cruzeiros  pequenos e grandes,   ali  iniciados  ou noutras partes do mundo.




O Fiorde honra o seu nome  e o passeio, o qual, ao longo de 2:00 horas,  mesmo com chuviscos e  algum vento frio em pleno julho (!),  deixa os passageiros extasiados com a beleza envolvente,  e com a harmonia  equilibrada entre homem e natureza. 



Casas simples e coloridas .



Rastos suaves

Olhares que pasmam


Casinhas com janelas no fiorde e na montanha


Passeios a remos


Casinhas sem poluição

O “sonho” tem 204 km de comprimento  e 1300 m. de profundidade.

Esperando que a onda não chegue

 

 

Pensamos que controlamos a natureza,  mas é o inverso, apenas a descontrolamos.

Em 1905, uma derrocada de um pedaço da montanha Ramnefjellet, na Noruega, provocou um  tsunami  que levou à frente aldeias  e suas respetivas vidas.  Em 1934,  a mesma montanha voltou  a ouvir-se e a  tragédia repetiu-se:  uma derrocada de mais de 700 metros de altura provocou três ondas com mais de 60 metros de altura.

 Esta realidade foi ficcionada no filme "A onda", o qual  projeta o incidente  mudando o cenário para a vizinha Geiranger.


 

 Vale de Loen, Noruega

  A Igreja de Loen  presta homenagem  às vítimas do incidente  num  Memorial que olha o vale. Os nomes nele gravados deixaram de ver há muito, alguns deles bem precocemente…





O Homem espera que a história não se repita, inventa estratégias preventivas, mas ele mesmo considera que o mesmo Homem também contribui para a agitação da montanha,  a qual um dia voltará a rugir e a história voltará a repetir-se  com a chegada de Nova Onda, enviada pela montanha como que a dizer, “Aqui estou eu, não me esqueci”. Poderá suceder  novamente na Noruega,  como em qualquer lugar do mundo,  como em qualquer lugar perto de nós…

 

Esperando que a escada não nos leve ao céu, mas que apenas seja adereço na natureza...