Ao construir a Terra, longe de
saber que, àquele pedaço, o Homem lhe chamaria Galiza, Deus afagou-o suavemente e, com os dedos, formou as Rías Baixas.
Esta lenda é, indubitavelmente,
uma introdução mais poética e melodiosa, do que chegar aqui e afirmar logo que
as Rías Baixas são vales fluviais invadidos pelo mar, cuja origem se deve a
movimentos tectónicos que provocam o rompimento das costas e o avanço do mar.
Convenhamos!
Portanto, graças aos dedos de
Deus, as Rías Baixas são uma suavidade de cores, paisagens, clima, Natureza e ,
talvez sem Deus se dar conta, cansado
como estava de obras numa semana de trabalho infindável, as Rías Baixas – assim
mesmo, no plural – abriram-se em quatro partes : a ría do indicador, ou seja, a
de Muros e Noia; a ria de Arousa; a de Pontevedra e, por último, a de Vigo,
sulcada pelo dedo mindinho, mas nem por isso a mais pequena .
Vindos de Portugal, o nosso périplo
começou pela do mindinho (não confundir com ornamentos caraterísticos da
“Guerra dos tronos”), mais propriamente por Baiona. Há muitos anos atrás, em
2002 para ser exata, até sei a data de cor, a imagem desta cidade foi
conspurcada por um incidente feio e depois caricato que nos fez, até hoje,
cortar relações com a cidade. Sumariamente: naquele Verão de 2002, os amigos do
alheio, num restaurante, lançaram mão da minha mala quando estupidamente a
coloquei nas costas da cadeira. Aprendi
- depois me ter visto sem documentos,
telemóvel, óculos e o mais grave, senti eu na altura, os rolos das fotografias
de todas umas férias, justamente pelos dedos de Deus até à Corunha! - que as costas das cadeiras se fizeram para
encostar e não “enmalar” ou “ensacar”. Anedoticamente, no final do dia, já em
Portugal, a própria Polícia me telefonou, do meu próprio telemóvel (!), a dizer
que haviam recuperado a mala e o seu
conteúdo, à exceção da fortuna de 5€ !!!!
Faltava-nos, pois, fazer as pazes
com Baiona e, começámos por nos reconciliar com um belo lugar defronte das
pacíficas águas, para depois visitarmos o que os ladrões não nos deram tempo
para ver. O local fica ao lado da capelita de Santa Marta, ali onde Drake, o
corsário inglês, incendiou a capela como forma de se vingar por não conseguir
tomar a povoação.
De Baiona abrem-se as vistas até
às ilhas Estelas e as famosas Cíes, onde Drake ainda permaneceu planeando o
ataque a Baiona.
Percorrendo o arejado Passeio Marítimo e passando pelo airoso
cais, chega-se à emblemática fortaleza de Monte de Boi, onde se ergue o seu magnífico
castelo de peculiares ameias. Em seu redor, num percurso de quase três quilómetros,
estende-se o Passeio de Monte de Boi, pintado de soberbas paisagens e praias.
De dentro das muralhas espreitam os frondosos e altos pinheiros, no seu
exterior as águas espraiam-se azuis.
Fortaleza
ilhas Estelas
No centro da vila, respira-se um
“pueblo galego” que mais se parece com uma aldeia da Beira Interior,
fazendo-nos esquecer que o mar está mesmo ali ao lado. Destaca-se a igreja de Santa Maria e as ruas empedradas
com as suas múltiplas tabernas. Na igreja, os preparativos para um casamento
glorioso com a chegada singular dos convidados em autocarro “vintage” e uma
noiva que ameaçava entrar antes do noivo…
Ainda nesta Ría do “mindinho”,
elegemos uma outra praia, guiados, confesso, pela aplicação “Park4night”. Procurávamos
a área privada em Igrexário (15 € num
terreno inclinado, sem luz, e fechados entre muros) quando descobrimos, na
praia da aldeia Aldán, um cantinho apetitoso, a três passadas, literalmente, da
praia de Vilarinho.
Estrada, pedras, areia, mar...
Mar, banho.
A ver o vizinho de esguelha
A aldeia nada tem de extraordinário mas o cenário natural é sublime e
agradável com um passadiço de madeira sempre a ver o mar. Bom sítio para
pasmar, como um viajante de casa às costas merece.
os eternos espigueiros da Galiza... tal como no Minho, mas sem mar.
Para início de passeio, o
primeiro dedo não esteve nada mal.
Dicas para autocaravanistas:
Em Baiona dormimos tranquilos, o
local é um parque misto que nos pareceu seguro ( N 42º 6´54. 36 W 8º 50´10.428´´).
De manhã não fomos multados ( em
nenhum local dizia que era proibido o estacionamento e a pernoita) , mas a
Polícia veio amavelmente oferecer-nos o seguinte aviso:
Em Aldán, praia de Vilarinho ( N 42º 16´ 29.3´´ W 8º 49´22.7´´), num “chiringuito” ao
lado, um local queixava-se de que as autocaravanas lhe tapavam as vistas, mas a
dona do bar argumentava a favor, por motivos óbvios…
Para primeira impressão lá senti
que Espanha não difere de Portugal ao fazerem-me sentir minoria a roçar o
fora-da-lei…