Lá as cores são outras, e o ar ou vento outros. Lá, onde o
Guadiana escorre e sobe, recebendo o sal das marés, as cores e o ar são outros. Uma
cor a terra, uma brisa que não é de mar e nem é brisa.
As pedras também são outras, as do chão, as das casas, as da
muralha, as do castelo. As que estão soterradas e as que se erguem ao sol. É o
branco árabe e é Alentejo. É o castanho-terra dos romanos, dos muçulmanos, do
rei árabe, do rei católico….
Lá, as civilizações recuam e são uma mistura dos tempos, eras
que confluíram para o mesmo fim: a terra , o(s) deus(es), o rio. Lá, em Mértola,
continua o passado no chão pisado, no branco a olhar o céu, no olhar branco até
de um gato.
À beira-cais o rio continua a ser fonte – do pescado, do
banho, do mergulho, e mais recentemente da canoagem. Na margem esquerda, outrora
fonte de pão, o centeio e a cevada moídas nas Azenhas de água. Agora relíquias
e pedras abandonadas.
Azenhas
Entre Mértola e Serpa, outras estórias. A estória e a
História de uma família inglesa, a Mason & Barry, que ergueu, num canto sem
nada, uma fortuna com tudo. A aldeia das Minas de São Domingos erguida porque
havia minérios, cobre, zinco, chumbo e enxofre, a enriquecer gente. A mina, escavada pelo
negrume de centenas, transportada ao longo de carris, 17 quilómetros até ao fim
da linha, durou um século.
Partida: São Domingos , destino: Pomarão, lugar em nenhures, na confluência entre o rio Chanca e o Guadiana, paredes meias com Espanha. Chegado ao destino, o carregamento era transportado em barcos, 500 por ano, imagine-se, dali até Vila Real de S. António, do Algarve até Inglaterra.
Partida: São Domingos , destino: Pomarão, lugar em nenhures, na confluência entre o rio Chanca e o Guadiana, paredes meias com Espanha. Chegado ao destino, o carregamento era transportado em barcos, 500 por ano, imagine-se, dali até Vila Real de S. António, do Algarve até Inglaterra.
Em São Domingos a aldeia crescia, de início 300 casas, duas
divisões, portas e janelas pequenas, irmanadas, juntas, albergando mulheres e
crianças que os viam partir, a eles, negros, para o buraco, para a linha.
Depois vieram mais casas, os Correios, a mercearia, o teatro, o campo de jogos
(apenas para os ingleses). No fim, 3.000 habitantes, escola, centro de saúde… e,
afastada e sóbria, a mansão dos ingleses, o court
de ténis, a hierarquia social espelhada na geografia e arquitetura das casas.
Depois a fonte estancou, foi o desemprego, foi o abandono.
Hoje a memória reaviva-se no testemunho das legendas a preto e branco, no percurso pedonal, na Casa do Mineiro, no Hotel de quatro estrelas outrora mansão, no buraco de águas vermelhas paradas.
No cenário envolvente, as Tapadas, a Grande e a Pequena. Na
Grande, a praia fluvial com a sua fina areia, bar, pista de canoagem e
autocaravanas, muitas. A sinalética exclui-as mas ainda assim lá estão, pelo
menos na primavera, nesta primavera.
À noite, o silêncio. Ou talvez não. Se forem à aldeia, num dos cafés perdidos, os homens cantam. É o cante alentejano desde o tempo das minas, as vozes e a mini, as vozes e o vinho.
À noite, o silêncio. Ou talvez não. Se forem à aldeia, num dos cafés perdidos, os homens cantam. É o cante alentejano desde o tempo das minas, as vozes e a mini, as vozes e o vinho.
Outros recantos a visitar? Muitos. Nas redondezas uma paragem
em Paragem (restaurante), situado no pequeno lugarejo chamado Corvos, para um
polvo à lagareiro macio bem regado com azeite, ou um cozido de grão na panela
de barro.
Sim, de barro. O barro da terra , lá, onde tudo transpira passado,
um passado irreal a preto e branco assente numa realidade quase surreal.
7 comentários:
Belo texto, belas fotografias. Deu-me vontade de voltar ao Alentejo...
Bjs
Excelente descrição, companheira, gostei muito, bem como das fotos. Continuação de bons passeios.
Obrigada pelo vosso "feedback". Venham sempre ao Alentejo, mesmo com 37º , como hoje. eheeh
Texto maravilhoso de uma terra mítica de mouros e marés. As margens do Guadiana inspiram e este s/ texto comprova. Parabéns.
Abraço do Carlos da Gama (memoriadamicha2011.blogspot.com)
Carlos da Gama: obrigada elas suas palavras e espero que o Alentejo também o inspire .
Belo texto.
Penso que teremos que começar a divulgar pelos municípios estes maravilhosos postais realizados/divulgados pelos autocaravanistas.
António Oliveira
´Que bela ideia , António Oliveira. O turismo agradecia. :)
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