Barrancos fica fora de qualquer rota, lá no risco final do
mapa, a olhar para Espanha e com o seu típico linguajar a tocar os dois lados
do risco. Nem português nem espanhol, simplesmente; ou complicadamente, um
dialeto, o barranquenho.
Monsaraz
Quando se está em Monsaraz, com aquela vista altaneira
abarcando terra e água, água e terra, apetece ir em frente, quais navegadores,
à procura de mais chão e, nesse caso, há que ir até ao fim da linha. Até porque
o nome Noudar (ali, paredes meias com Barrancos) apetece. Há nomes assim, que
nos chamam, nem a gente sabe porquê. Este talvez por revelar algum paladar…
Mas antes Barrancos, a terra das muitas cegonhas ancoradas em
altas chaminés brancas, cantando e tocando castanholas sobre as vidas de quem
passa. Naquele dia continuavam lá.
Também era dia de feira, a do presunto e queijos. Abastecemos
o cesto e petiscámos “tapas” como em Espanha, mas com sabor a Portugal,
mioleira, ovos com espargos e um copo do salutar tinto.
Estava o petisco aconchegado no estômago, faltava o caminho
até Noudar. Sete quilómetros a pé não daria muito jeito, lá foi a Casinha a
tremer por uma estrada de solavancos e buracos a avisar que o número sete se
multiplicaria em tempo. Sete e sete são catorze com mais sete são vinte e um e
ainda assim estes não chegaram, foram precisos 45 ou 50… Munidos de mapa ainda
fomos parando onde nos indicavam ao longo do grande Parque de Natureza Noudar.
Lá estão algumas chouças de pastores com os seus tetos de colmo parados no
tempo, talvez abrigo de alguns texugos pela calada da noite. Javalis e linces
nem vê-los, nem outra coisa seria de esperar em plena luz do dia com o sol a
aquecer.
Lá está o verde salpicado das alvas estevas num fado
constante. E o cheiro a campo….
Lá está, sem o mapa o indicar, a placa a apontar para um
antigo campo de refugiados da Guerra Civil espanhola e o rio sempre ali ao
lado, estando lá mas sem o estar.
E o Castelo nunca estando. Só depois de muito andar, subir,
descer e curvar, aparece. Intacto por fora, quase habitado por dentro.
O guarda, com o seu sotaque cantado, lá foi cantando a sua
rotina, a beleza eterna da paisagem, “além é Espanha, aquelas vacas são
portuguesas as outras espanholas, aquele é o rio Ardila , o outro é uma
ribeira, a de Múrtez”, mas a narrativa das origens e dos reis não a sabia na
ponta da língua, “é antigo, sim senhor, muitos reis aqui passaram, são tantos
que me baralho todo”. D. Dinis foi um deles, faz parte do baralho, como aquele
que decidiu que as muralhas de Noudar podiam receber foras da lei, que ali
podiam viver à solta e em paz, desde que contribuíssem para o trabalho
colectivo da manutenção.
Mais uns cinquenta minutos pelo mesmo caminho e as giestas
sempre a fazerem-nos companhia. Depois é o Grande Lago novamente e Noudar lá em
cima do outeiro, parece logo ali e olha bem o que andámos para lá chegar. Mas é
mesmo assim, ali está, ou parte dele, desde o tempo dos romanos.
O Grande Lago é que não estava ali, nem no tempo de D. Dinis…
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