Era uma vez quatro animais já velhos, cansados de serem menosprezados
pelos seus donos. Eram eles um burro, um cão, um gato e um galo. A sua revolta
era tanta que decidiram fugir. Partiram, com destino a Brémen, para se tornarem
músicos na banda da cidade.
Era uma vez uma família, nem nova, nem velha. Os pais e dois
filhos, separados por quilómetros, terra e mares. A saudade era tanta que decidiram
reunir-se. Só um era músico, os outros ouvintes apaixonados. Partiram, primeiro
de Portugal para Amesterdão, depois dali para Groningen e desta para Brémen, ponto
de encontro dos quatro.
Os quatro animais não chegaram a Brémen. Os pais e filhos
chegaram.
Três deles, ainda com os olhos cheios de tulipas e moinhos
holandeses, logo à entrada viram a paisagem repetir-se e pensaram “enganámo-nos”.
Afinal constataram que não, a língua era diferente, menos carregada, apesar de
igualmente incompreensível, o local chamava-se Mühle am Wall.
Chegado o quarto elemento, o músico (que não era de Brémen, mas
que lá chegou), foram-se à Praça Central, onde os quatro animais os esperavam, mesmo
não tendo chegado.
O burro era o mais afagado, pois segundo a tradição quem o agarrar
pelas patas voltará a Bremen. O burro, o mesmo que não chegou, lá está. Já os
pais não voltarão certamente, porque não tocaram no bicho. Os filhos também não
lhe tocaram, mas depois daquele dia, em poucas semanas, voltaram a Brémen. Em que
fica a tradição? Provavelmente ainda vamos a tempo de afagar o burro e com a
ajuda de um escadote talvez o galo que, coitado, não tem culpa de o Criador o
ter dotado de asas. Certo é que também não ouvimos a música dos quatro, a não
ser, vindos do chão da Praça, zurros, latidos, miados
e cacarejos, mediante o envio de uma moeda que se coloca na ranhura de uma tampa de esgoto.
Mas nem só de música se vive em Brémen, sobretudo na Praça
Central, onde se ergue um aglomerado de imponentes marcos históricos e arquitetónicos.
A estátua de Rolando, símbolo de liberdade para a cidade, foi declarada
Património pela Unesco, assim como a Rathaus. Brilham ainda a Catedral, o State
Parliament, construção mais atual, de 1966, que contrasta com o peso das pedras
e dos séculos dos outros edifícios, mas em simultâneo os reflete nos seus vidros
gigantes.
O dia estava soalheiro e silencioso, era sexta-feira de Páscoa
e os alemães haviam aproveitado para fugir de Brémen, ao contrário dos músicos
que para lá queriam vir. A rua das lojas de artesanato estava praticamente
tornada em fantasma e assim o nosso percurso pela famosa Böttcherstrasse não
contribuiu para a economia alemã.
Brémen foi terra de pescadores e marinheiros, situa-se no
noroeste alemão, e mesmo sem mar, com o rio ali ao lado, o Weser, é uma cidade
ribeirinha. Nela se destaca o bairro mais próximo do rio, o Schnoon, com as suas
casinhas de rés do chão, dos séc. XV e XVI, onde pescadores e marinheiros residiam.
Atualmente são sobretudo galerias de arte e restaurantes, correndo ao longo de ruas
estreitas e becos simpáticos.
Fica o casal à espera de lá regressar num dia que não seja
festivo, para registar as diferenças e agarrar o burro pelas patas... para furar a
tradição.
* Conto popular dos Irmãos Grimm
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